sexta-feira, 29 de abril de 2016

Chamada: Dossiê Homossexualidades e Política (RBCP)

Termina dia 31 de maio o prazo final para o envio de artigos e resenhas para o número 21 da Revista Brasileira de Ciência Política dedicado ao tema "homossexualismos e política".  A última edição do periódico, dedicado ao tema do cuidado e da responsabilidade, pode ser encontrada aqui. Ver abaixo a chamada do número 21 e o link com informação para autores/as.

O dossiê acolhe trabalhos teóricos e empíricos sobre a relação entre homossexualidades e política. Entre outras discussões, contempla a formação dos movimentos gays e lésbicos como atores políticos e suas tensões internas; a relação com partidos e com outros movimentos sociais; a luta contra a homofobia e o embate com as forças políticas religiosas; os desafios à identidade gay e lésbica colocados pela transgeneridade.
Prazo para envio dos artigos: 31 de maio de 2016.
A edição deve ser lançada em outubro de 2016.
Instrução aos Autores/as


Notas da FAPESP e da ANPOCS sobre a declaração do governador Geraldo Alckimin

Na última reunião com seus secretários, o governador de São Paulo Geraldo Alckimin (PDSB) colocou em questão a eficiência do trabalho da principal agência de fomento à ciência do seu estado, a FAPESP. Segundo relato publicado pela imprensa, o governador teria afirmado que, ao invés de priorizar áreas estratégicas, a FAPESP "gastaria dinheiro com pesquisa sem nenhuma utilidade prática para a sociedade". Ainda segundo o governador, a agência apoiaria "projetos de sociologia ou projetos acadêmicos sem nenhuma utilidade" ao invés de destinar seus recursos para "vacina contra a dengue". Talvez se sentindo protegido pela baixa credibilidade jornalística do veículo de imprensa que originalmente publicou a declaração, o gabinete do governador nega que tenha criticado diretamente a FAPESP - mas não a sociologia. 

A declaração do governador reflete um grave mas, infelizmente, disseminado desentendimento sobre a natureza da produção científica em geral e, particularmente, sobre tipo de conhecimento produzido pelas ciências humanas: área do conhecimento com pouco valor de mercado (critério normativo normalmente implícito nesse tipo de juízo) e, as vezes mas nem sempre, com impacto social de médio ou longo prazo. A baixa qualidade do debate público brasileiro, a incapacidade de preservarmos nossa memória e de entendermos objetivamente os problemas políticos e sociais que enfrentamos, tal como ficou explícito especialmente ao longo deste ano, são apenas alguns bons motivos para reavaliarmos esse preconceito.

Entretanto, é preciso reconhecer que mudar essa mentalidade é, tal como a própria ciência básica, uma tarefa árdua, incerta e permanente para qualquer pessoa que tenha escolhido a pesquisa científica como modo de vida. Uma rápida consulta ao site do Banco Mundial nos ajuda a mostrar como o gasto social com pesquisa e desenvolvimento não é apenas um dos principais índices de desenvolvimento social, como também a péssima posição do Brasil no contexto econômico e científico global. Além disso, é importante ressaltar, como lembra o diretor da FAPESP José Goldemberg, que a grande área das ciências humanas consome apenas 2% do recurso da agência (ver aqui) enquanto que a área de saúde é a que mais recebe recursos (ver a nota da ANPOCS).

Seguem, respectivamente, as notas da FAPESP e da ANPOCS a respeito da lamentável declaração de Geraldo Alckimin:


Nota do Conselho Superior da FAPESP

A FAPESP considera importante o debate na sociedade sobre o papel da pesquisa no Estado de São Paulo. Por determinação constitucional, esta Fundação deve apoiar o “desenvolvimento científico e tecnológico” no Estado de São Paulo (artigo 271, caput da Constituição Estadual) em todas as áreas do conhecimento (artigo 16, parágrafo primeiro da Lei 5918 de 1960).
Pela natureza intrínseca da ciência, resultados práticos de diferentes pesquisas podem se verificar em diferentes prazos, de maior ou menor extensão. Algumas pesquisas não se realizam para chegar a resultados práticos, mas sim para tornar as pessoas e as sociedades mais sábias e, assim, entenderem melhor o mundo em que vivemos, o que é uma das missões da ciência.
O Conselho Superior da FAPESP destaca que o apoio à pesquisa com vistas a aplicações tem recebido mais da metade (52% nos últimos três anos) dos recursos totais destinados às atividades-fim da Fundação. Por determinação legal, 95% do orçamento anual da FAPESP são destinados ao financiamento de pesquisas e é vedado à Fundação assumir encargos externos permanentes de qualquer natureza, inclusive salários.
Desde a sua criação, e por determinação legal, a FAPESP constituiu um patrimônio rentável que lhe permite, em situações de crise, não deixar de cumprir seus compromissos assumidos. Tal patrimônio tem sido administrado com rigor e eficácia ao longo de sua história e impedido que pesquisas importantes sejam interrompidas abruptamente por falta de recursos em tempos de arrecadação em baixa, como o atual.
O Conselho Superior afirma que a FAPESP, com a autonomia de que desfruta constitucionalmente, continuará obedecendo aos preceitos legais, atendendo às demandas de financiamento da pesquisa em todas as áreas do conhecimento científico e tecnológico.
A FAPESP está sempre atenta às demandas da sociedade, em busca do contínuo aperfeiçoamento do seu funcionamento, e continuará contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico do Estado de São Paulo e do Brasil, como vem fazendo diligentemente em seus mais de 53 anos de existência.

NOTA DA DIRETORIA EXECUTIVA DA ANPOCS SOBRE AS DECLARAÇÕES DO GOVERNADOR GERALDO ALCKMIN ACERCA DO FOMENTO À PESQUISA CIENTÍFICA



A diretoria da ANPOCS vem a público expressar sua estupefação diante das palavras do governador paulista, Geraldo Alckmin, em reunião com seu secretariado, noticiadas pela Folha de S. Paulo em 27/04/2016, referentes ao que reputa serem “projetos acadêmicos sem nenhuma relevância”, no bojo dos quais inclui as pesquisas da área de sociologia. Tal entendimento do campo científico e acadêmico revela um governante que desconhece não apenas a natureza da pesquisa básica de um modo geral, como das humanidades, em particular. O governador se mostra também desinformado sobre os gastos de uma agência de fomento sob a sua jurisdição, pois o investimento em pesquisas nas áreas de humanas correspondem a apenas um décimo do orçamento da FAPESP e sua contemplação de forma alguma se constitui num impeditivo ao fomento à pesquisa em outras áreas. 
O Relatório FAPESP 2014, último publicado, traz a seguinte informação:
“A Fundação apoia pesquisas em todas as áreas de conhecimento. Em 2014, como historicamente tem ocorrido, a área de Saúde foi a que recebeu a maior parte dos recursos (28,56%) (...) Em segundo lugar, com 15,87% do total, veio a Biologia, seguida das Ciências humanas e sociais (10,44%), Engenharia (10,27%) e Agronomia e veterinária (8,21%) e as demais. Somadas, Saúde, Biologia, Agronomia e veterinária, as chamadas Ciências da Vida, receberam, portanto, em 2014, pouco mais da metade (52,64%) do desembolso da FAPESP.” 
(FAPESP, Relatório de Atividades 2014, p. 7.)

O desenvolvimento de uma sociedade requer o avanço do conhecimento nos mais diversos campos científicos e tecnológicos, dos quais evidentemente não se pode excluir o imprescindível conhecimento sobre a própria sociedade. É surpreendente que na atual quadra histórica seja ainda preciso relembrar isto, mormente, quando a necessidade de tal lembrança decorre da manifestação de preconceitos por parte de um governante.



terça-feira, 26 de abril de 2016

A Câmara dos Horrores

Por Lucas Petroni

A votação do processo de impedimento presidencial de Dilma Rousseff no dia 17 de abril parecia ser feito do material que os pesadelos são feitos. Um conto (mal feito) de Kafka em que o desespero, ao se repetir incessantemente, acaba por nos tornar sujeitos cômicos que demandamos justiça ou coerência diante do absurdo. Uma após as outras, as falas de nossos(as) parlamentares despejaram na sociedade brasileira um nível de conservadorismo difícil de ser superado por parâmetros políticos internacionais.

Algumas das declarações foram mais cômicas do que trágicas: a confusão entre presidencialismo e parlamentarismo de um deputado do Paraná, a alusão críptica a Platão (um filósofo anti-democrático de todo modo), um profeta evangélico vaticinando a queda da Rede Globo, sem, contudo, deixar de votar contra o golpe, e um punhado de discursos sobre a ameaça do comunismo no país. Como noticiou o The Intercept, a votação teve algo de surreal para quem não consegue a qualidade do nossos representares. Como afirmou Vladimir Safatle, descobrimos nesse domingo que somos governados por políticos saídos de novelas de baixa qualidade artística.

O golpe jurídico, fundado em um argumento argumento patéticocontra um governo democraticamente eleito por mais de 54 milhões de cidadãos foi apoiado, no entanto, também por discursos trágicos para a agenda progressista no país. Sabíamos que tínhamos elegido um dos Congresso mais conservadores desde a redemocratização, mas não sabíamos o quão audaciosa tinha se tornado a bancada Boi Bala e bBíblia tinha se tornado.

A Câmara dos Deputados ovacionou a rejeição do Estado laico, a afirmação de uma visão religiosa particular e androcêntrica da família e, talvez o mais grave de todos, o golpe jurídico-militar de 1964. No ponto auto da celebração do conservadorismo brasileiro, o Coronel Brilhante Ustra, chefe do pelotão de tortura do DOI-CODI, serviu de mote para justificar a deposição de um governo eleito. Seu voto foi  ovacionado também na Av. Paulista por centenas de pessoas vestidas com a bandeira nacional.





Vivemos um choque de realidade diante da câmara de horrores de Eduardo Cunha. Caso queiramos repensar o futuro político do país, talvez o melhor remédio seja expô-la aos efeitos sanitários do debate público. 

A primeira consequência dessa exposição é paradoxal. O triste espetáculo do dia 17 revele o fracasso político do conservadorismo. Ou melhor: de um tipo específico de conservadorismo, compatível com os valores e requisitos mínimos de uma vida política democrática. Sem dúvida, uma maioria parlamentar capaz de saudar movimentos fascistas implica força. A  força representada também na nova composição das forças político-partidárias: uma coalização entre conservadores de costume (PMDB) e conservadores econômicos (PSDB) para o eventual governo golpista Temer/Cunha.

Longe de disputar esses fatos. O ponto é que existia uma esperança difusa de que o fortalecimento do conservadorismo na esfera pública brasileira que temos assistido ao longo dos último anos, representasse uma forma nova de conservadorismo, diferente da nossa tradição na qual valores familiares, religião e propriedade são entendidos de modo autoritário. Intelectuais, artistas e movimentos sociais, passaram a defender abertamente bandeiras conservadores, tais como o livre-mercado como um princípio moral e a defesa da religião na esfera pública. Mas esperávamos que essas demandas fossem defendidas pressupondo os fundamentos constitucionais de uma democracia pluralista. 

Contrariamente ao antigo conservadorismo autoritário brasileiro, ligado à escravidão à supressão de movimentos sociais e ao autoritarismo militar de 64, estaríamos vivendo o surgimento de um conservador inédito porque democráticos. Ser conservador não implicaria ser autoritário. Essa possiblidade de um conservadorismo não-autoritário como expressão coletiva foi, infelizmente, destruída. 

Digo infelizmente porque no Brasil, como em qualquer democracia pluralista, é um fato a existência de modos de vida conservadores e, no caso brasileiros, temos alguns conservadores. Ainda que possamos discordar dessas ideias, certamente o debate público e as instituições democráticas poderiam se beneficiar com essa renovação. Agora, contudo, conservadores não-autoritários  terão de chafurdar na lodo do discurso de ódio e de apologias à ditadura militar espalhados pelas redes sociais e decidir se, em nome de seus valores, apoiarão ou não um governo ilegítimo. O Brasil não se "fascisizou" (digo por mim: continuo anti-fascista!). Mas a direita sim.

A segunda grande consequência da exposição da Câmara de Cunha está relacionada, justamente, com o choque político que a representação parlamentar nos causou. Existe algo muito errado com a nossa representação parlamentar, ainda que seja difícil apontar qual seja o problema com exatidão. 

Em primeiro lugar, e antes de falarmos no problema da representação, acredito que grande parte da culpa pelo choque de realidade tardio que tivemos deve ser atribuída à grande imprensa nacional que, seja por desinteresse ou simplesmente ignorância, é incapaz de acompanhar a nossa agenda parlamentar. O que é oferecido por análise política nos principais canais de TV e blogs, na verdade, na passa de fofoca parlamentar de pouco valor para quem realmente está interessado na política. 

Em alguns casos é pior do que isso. A pauta parlamentar é sistematicamente instrumentalizada em nome das posições partidárias da mídia. O resultado é a completa ignorância do público a respeito da movimentação do congresso em nome de demandas difíceis de serem justificadas no debate público, tais como a insanidade da mudança do nosso estatuto do desarmamento, o retrocesso na demarcação de terras indígenas e a violência legal contra a população LGBT.

Basta lembrar aqui que, após um dos episódios políticos mais importantes de nossa democracia, a cobertura política do Grupo Globo (conglomerado monopolístico de comunicação no Brasil) dedicou-se a tentar descobrir se o cuspe que um deputado deu em outro tinha ou não acertado o alvo (para os descrentes, ver aqui). 

Em alguns casos, mesmo matérias em veículos de comunicação mais sofisticados do que os oferecidos pela família Marinho demonstra um desentendimento embaraçoso sobre alguns dos mecanismos básicos do nosso sistema político-eleitoral. Como, por exemplo, a estranha insistência da imprensa de que voto proporcional em legendas seria "indireto" na medida em que beneficia "puxadores-de-voto". Podemos, obviamente, não concordar com a regra de proporcionalidade, ou desconfiar da qualidade dos partidos que se beneficiam com essa ela. Mas não temos voto indireto no país (tal acontece no complicado sistema eleitoral norte-americano, por exemplo). Pelo mesmo raciocínio teríamos que afirmar que o terceiro candidato à vaga de senado em São Paulo, por ter mais votos do que o primeiro lugar no Maranhão, seria a escolha "direta" do eleitor. 

Como fugir das mistificações cotidianas da representação e ir mais a fundo no entendimento do nosso Congresso? Uma plataforma e uma matéria fornecem duas ferramentas preliminares excelentes para driblarmos os limites da imprensa brasileira. 

A primeira delas é a a plataforma Atlas Político, desenvolvida por dois alunos de doutorado de Harvard. Nela podemos comparar, por exemplo, o custo do voto de cada deputado. Por meio dela descobrimos que, por exemplo, ao dividirmos o gasto eleitoral de Eduardo Cunha e Paulinho da Força pelo montante de votos que receberam, temos uma média de, respectivamente, R$ 30 e R$ 13 - contra apenas 0,87 centavos de Jair Bolsonaro. A plataforma tem limites em relação ao posicionamento ideológico dos parlamentares mas mede bem o grau de apoio (ou oposição) às votações do governo.

A segunda ferramenta talvez seja mais importante para o nosso problema, i. e., a sobre-representação conservadora na política parlamentar. Trata-se de uma longa matéria publicada pela Agência Pública . uma das melhores plataformas de jornalismo independente do Brasil, na qual são mapeadas as principais bancadas parlamentares da casa. 

No artigo de Etore Medeiros e Bruno Fonseca descobrimos que entre as 11 bancas mais atuantes do congresso a primeira em número de deputados é a dos "parentes", isto é, agrupamento parlamentar composto por representantes que contam com outro representante na família na política. O número de dinastias parlamentares vem crescendo desde de 2002 e, segundo o levantamento da Transparência Brasil, a bancada dos parentes chega à quase 50% no congresso de Eduardo Cunha. 

Os dados apresentados nor permite concluir que a forma de financiamento político no país incentiva a reprodução de elites políticas, na medida em que os herdeiros e herdeiras herdariam, na verdade, muito mais  o sistema de financiamento de seus pais do que suas virtudes públicas. Basta ver por meio dos infográficos de que modo a bancada dos parentes interage com as bancadas empresariais, agropecuária e das construtoras (o grosso do nosso financiamento privado de eleições). 






Seguindo com a lista de super bancadas temos: as construtoras (226), a empresarial (208), a do agronegócio (207) e a evangélica (196).  Depois algumas menores, mas importantes como a sindical (43) e da bala (35)

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Pinzani: A Necessidade de um Estado Laico

O filósofo Alessandro Pinzani (UFSC) acaba de disponibilizar sua contribuição para a coletânea Religião em um Mundo Plural organizado por Horácio Martinéz e Marciano Spica (ver aqui o livro eletrônico). No artigo Por Que É Necessário um Estado Laico Pinzani apresenta e discute os trabalhos recentes de Charles Taylor e Jürgen Habermas sobre o papel da religião nas sociedades contemporâneas. A estranha sobrevida dos conflitos religiosos no início do século XXI fez com que ambos os filósofos repensassem o papel dos discursos religiosos na esfera pública. Para Pinzani, a presença ostensiva da linguagem religiosa no debate político tende a ser sobrevalorizada por defensores do pluralismo e, em alguns contextos como o Brasil, podem representar, na verdade, uma forma elaborada de resistência ao princípio da neutralidade - nesse sentido Pinzani tenderia a concordar com interpretações semelhantes a respeito do viés anti-secularista na constituição da esfera pública brasileira.

É de perguntar se, de fato, [as linguagens religiosas] desempenham em nossas sociedades um papel tão brilhante e vivificador como pensa Habermas. A impressão que se tem olhando o debate público de um país como o Brasil é que elas intervêm pesadamente para bloquear qualquer tentativa de desvincular a vida privada e pública das crenças religiosas (o que no Brasil significa praticamente: das crenças cristãs). Levantam sua voz quase exclusivamente para condenar o que vai contra seus ditames ou para reclamar privilégios. Sua atitude é de falsa abertura ao diálogo, falsa porque não há nenhuma abertura quando quem entra no diálogo o faz na convicção de possuir a verdade absoluta, garantida por uma divindade, e não está disposto a admitir que está errado e a apropriar-se da posição do interlocutor. [...] É legítimo que os indivíduos religiosos estejam convencidos de possuir a verdade, que pensem que os que não compartilham sua crença estão destinados a uma punição futura (danação eterna, reencarnação em um ser inferior etc.), e que desprezem os infiéis ou os pecadores: tudo isso é legítimo até quando permanece uma convicção pessoal. Não é legítimo, porém, que se sirvam de suas convicções pessoais para reclamar privilégios ou exigir discriminações, pois quando isso acontece, as forças religiosas “vitais” e “vibrantes” levam a sociedade a dar um passo, por mais imperceptível que seja, em direção à barbárie.


- Pinzani: "Por Que é Necessário um Estado Laico" 

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Escola de Verão: "Exploring the Commons" (UMinho)

O Grupo de Teoria Política do Minho convida a todos/as os/as interessado/as para a quarta edição de sua Escola de Verão de Filosofia Política e Política Pública. O tema dessa edição será a ideia de commons (ou "comuns") presente na tradição econômica e jurídica ocidental e, especialmente, em sua recuperação pela teoria política contemporânea, seja na idéia do espaço público democrático como uma espaço comum entre iguais, seja nos modelos de uso de recursos comuns apropriados coletivamente. Os palestrantes serão Karl Widequirst (UCL) e Axel Gosseries (Georgetown). 



Professors:

When: 18-21 July 2016
Where: University of Minho, Braga (Portugal)



Course Description: In recent years there has been a resurgence of interest in issues at the intersection of political philosophy and public policy. In particular, attention has increasingly turned to the question of what kind of institutions and policies would be needed in order to create a significantly more just society. Following past summer-schools on topics such as a basic income (2013), predistribution and property-owning democracy (2014), the ethics of banking (2015), this year’s summer school will be devoted to the commons. The topic of the “commons” is an expanding issue of interest within academia, where it combines different and complementary disciplines (philosophy, history, law, political science, economy, …). It is also a very important discussion outside academia. The “commons” is a social space which people can enter and leave freely; in which they relate as equals; and in which they work cooperatively, to solve a problem, meet a need, or just enjoy creativity for its own sake. In this school we will explore the ways in which society has a strong responsibility to protect a sufficient commons and to ensure that anyone holding an asset removed from the commons pays compensation to everyone else.

Professor Karl Widerquist will in his lectures introduce us to the political philosophy of the commons by laying out and indepentarian theory of justice and applying that theory to the justification of government and property rights. It uses ideal and practical political theory to argue that both the justification of the state and the justification of private property require the payment of a basic income guarantee. This payment is necessary not only to preserve status freedom, but also to compensate those who dissent from the institutions that powerful people have endowed with authority over land and natural resources. It will be argued that society owes compensation to the rational and reasonable dissenters. This conclusion is very different from typically arguments for a natural right to private property, because such arguments usually ignore the loss of negative freedom accompanied by the loss of access to the commons in any system that creates property without compensation to non-owners.

Professor Axel Gosseries will in his practical sessions explore moral dilemmas that may arise within the forms of production and consumption which occur through various kinds of “commons” such as:
(a) protecting and preserving local natural resource commons;
(b) creating wider, transnational and global natural resource commons;
(c) protecting capacities for Commons-based peer production (CBPP) for information goods;
(d) developing rights of open access to more information goods;

 Inscription: If you would like to participate, please send an e-mail to Roberto Merrill (nrbmerrill@gmail.com) by 20 May 2016. If you also wish to give a talk during the School, please send us an abstract between 300 and 500 words.

Fee: 70 euros

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This event is organized by the Political Theory Group of CEHUM, University of Minho (Braga),
Contact: Roberto Merrill (nrbmerrill@gmail.com). 


domingo, 17 de abril de 2016

O golpe como um conflito distributivo

Por Lucas Petroni

É tentador pensarmos que o país vive hoje uma falta de liderança política, que cidadãos e cidadãs estejam perdidos em seus anseios e valores, que não consigam encontrar uma luz ideológica no fim no túnel do carnaval de horror da nossa política partidária e que por causa dessa ausência vivemos um impasse político e social.

A perda de liderança política é matéria constante na grande mídia e, recentemente, passou também a fazer parte das matérias sobre o Brasil em jornais estrangeiros. Essa é a narrativa da ausência. É essa narrativa que orienta a interpretação, por exemplo, da análise da revista Fortune sobre a crise brasileira  que termina a concluiu com o chamado: "alguma liderança é necessária [...] urgentemente". 

A explicação da crise pela ausência de lideranças é relativamente simples: assume-se que perdemos grandes nomes políticos e partidos inteiros, seja por falta de reposição natural, seja pela "desmoralização" da política, e que isso tenha nos custado um projeto coeso enquanto nação. O que a narrativa da ausência quer um consenso político, mesmo que seja de tipo de descartável até um futuro mais promissor em termos da qualidade humana dos nossos líderes.

Essa narrativa alimenta não só a mente dos jornalistas como também lugares mais sérios como a academia e os fóruns políticos brasileiros. Um dos juristas por trás do golpe afirmou, por exemplo, que estaríamos "órfãos" de lideranças e valoresDe fato, a fala do jurista possui um tom mais autoritário, escorregando em uma associação comprometedora entre problemas políticos, de um lado, e a figura convencional do despotismo no mundo clássico. Despostes, em grego, significa literalmente, o dono da família, e despótica é aquela pessoa quem gostaria de tratar os membros do mundo político como filhos e filhas ou, no mundo antigo, como escravos.

Mas não devemos nos enganar. A narrativa da ausência está lá. Precisamos de um líder, um movimento ou mesmo uma só ideia que possa nos salvar... de nós mesmos. Segundo a opinião do historiador José Murilo de Carvalho, nunca deveríamos subestimar a habilidade do "Brasil em se sabotar", isto é, nossa incapacidade de nos autogovernar, em não saber o quer queremos especialmente diante da falta de lideranças morais e técnicas.

Devemos nos resignar e aceitar a narrativa ausentista? Acredito que não. Ao contrário, devemos rejeitá-la (para usar a retórica da Fortune, deveríamos rejeitá-la "veementemente"). Temos duas boas razões para isso: uma de natureza empírica e outra moral.




De fato, os termos do contrato social da redemocratização parecem ter se esgotado e é extremamente difícil de saber com clareza quais são as alternativas disponíveis. Em termos extremamente sintéticos, tal consenso macroeconômico apostava na fórmula crescimento com redistribuição via mercado de trabalho formal, com auxílio social aos extremamente pobres.

Mesmo assim acredito que a visão da ausência é errada. Estamos de fato perdidos? Temos boas evidências para mostrar que estamos divididos, mas não perdidos. Na verdade, isso demostra não apenas que sabemos o que queremos como também que talvez tenhamos finalmente nos achado no quadro ideológico.

Segundo a pesquisa do Datafolha publicada no último dia 9 de abril, mais da metade dos entrevistados (63%) avaliam o governo Dilma como ruim/péssimo, contra apenas 24% regular e 13% ótimo ou bom. Esse dado poderia indica  para sustentar a tese da ausência - e tem sido usado como tal pela mídia para apoiar o golpe jurídico. Seríamos um país que não nos reconhecemos no governo, na oposição ou em qualquer tipo de partido. Um país sem liderança. Ou melhor: um país esperando lideranças.

Na verdade, como o Data Popular já havia mostrado, essa é uma interpretação espúria dos dados. Podemos ter razões simetricamente opostas contra um mesmo governo e, ao que parece, é esse o caso no segundo governo Dilma. Os descontentes com o status quo político brasileiro possuem razões determinadas, identificáveis. Segundo Renato Meirelles do Data Popular os motivos do descontentamento com o governo entre as classes C e D são diametralmente apostos aos das B e A:

"essa desaprovação [...]  ocorre em todas as classes. A diferença é que, para esses segmentos de menor renda, não existe ódio ao governo, mas decepção. Temos 46% decepcionados por causa do que se prometeu e não foi cumprido, mas é gente que concorda com o projeto apresentado [...] Entre outras razões, esses grupos querem um Estado eficiente, mas não um Estado enxuto. Pois eles usam a educação pública, a saúde pública, aprovam o Mais Médicos".

Assumindo que todos os dados mencionados até o momento sejam consistentes, dois argumentos contrários podem ser identificados. Argumentos com implicações distributivas claras. Vamos chamá-los, respectivamente, de descontentes conservadores e descontentes radicais (notemos que essa não é a diferença midiática entre "coxinhas e petralhas").

Em primeiro lugar, todos os tipos de descontentes defendem um gasto governamental eficiente e responsivo aos interesses da população - informação essa menos trivial do que parece a primeira vista, basta ver o discurso de ódio de apoiadores do golpe contra o que acreditam ser dependentes irresponsáveis do Estado de bem-estar. De um lado, os descontentes conservadores querem um Estado enxuto, com pouco gasto social, baixa inflação e expressivo crescimento econômico (grande parte gostariam também de moeda forte mas é controverso o quanto podemos ter ambos, isto é, crescimento e valorização do real).

Em linhas gerais essa é exatamente a proposta do governo golpista Temer-Cunha. Corte de gastos, re-pactuação com os investidores estrangeiros e, sobretudo, a flexibilização das leis trabalhistas. Na verdade, podemos dizer que uma reforma trabalhista detalhada foi anunciada antes mesmo da oposição conseguir dar o golpe. Podemos não gostar da qualidade moral dos golpistas, mas a mensagem é clara: ao revisar os termos do pacto social demanda-se crescimento econômico em detrimento de distribuição. 

Do outro lado, eficiência significa bom provedor de serviços públicos, proteção social às famílias durante a crise e regulação do mercado de trabalho. Espera-se que o governo lute para manter aberta a janela de oportunidade de ascensão social, o que significa não apenas manter programas sociais baratos mas, principalmente, manter a estrutura do Estado de bem-estar. Como um colega me lembrou recentemente, na próxima eleição teremos a primeira participação eleitoral dos beneficiados pela bolsa-família. Seria interessante compreender o que essa geração tem a dizer sobre o futuro do gasto público no país. Daí a ideia de trazer o Lula como ministro e de se reaproximar dos movimentos sociais - tomada às pressas pelo governo Dilma. Descontentes radicais querem garantir distribuição antes de re-discutirmos crescimento.

É fácil ver que não estamos perdidos em nossos interesses. A divisão reflete a falta de base material para mantermos ambas as ambições de modo prioritário. A eleição de 2014 escolheu uma delas. A oposição não aceita e o governo tem dificuldade em assumir seus compromissos de campanha. Contudo, ao não discutirmos abertamente as bases materiais desse conflito, ao tratar "crise econômica" como um conceito mágico, auto-explicativo, e optando por analogias paternalistas ao invés de apresentar argumentos, perdemos uma excelente oportunidade para testarmos os melhores alternativas presentes nos dois lados da disputa.

Podemos até mesmo encontrar alternativas sub-exploradas. Por exemplo, o fato de que temos uma das maiores concentrações de renda do mundo protegida por um sistema tributário regressivo. Se quase 1/4 da riqueza nacional tem sido apropriada pelo 1% mais beneficiado pela cooperação social ao longo de um século, e se o imposto de renda e de propriedade rural são regressivos, talvez seja hora de resdiscutirmos quem deve pagar a manutenção do Estado de bem-estar social. Rejeitar o aumento de imposto sobre consumo é uma possível forma de aliança entre os 90%. Não consigo entender porque a classe média que, em geral, apoia a provisão de serviços públicos de qualidade, necessariamente se alinharia aos 1,5 milhões de brasileiros que compõem o 1% não estão preocupados com o desmonte do SUS ou com a reestruturação das escolas públicas.

Finalmente, como afirmei no começo, a narrativa da ausência é desrespeitosa. Ausentistas tendem a tratar a posição política alheia como uma manifestação de estupidez. É interesse notar que a suposta ausência de liderança afetaria sempre a posição dos outros, nunca a de que enuncia a tese. A narrativa não admite a  primeira pessoa - "eu não tenho líder", "eu estou órfão de ideias"- ainda que seja perfeitamente possível não sabermos exatamente aquilo que queremos. A força do argumento vem sempre do uso da terceira pessoa: "eles (os brasileiros, o povo, etc.) estão carente de líderes".

Além da falta de base empírica no caso brasileiro, revela-se com isso um juízo implícito sobre a assimetria da distribuição de autonomia pessoal. Aquele que não tem líder - o "ele/elas" do discurso da ausência - é visto como uma criatura limitada, a ser sujeitada por um discurso político esclarecido. Certamente, podemos não gostar do que os nossos concidadãos querem e devemos estar preparados para contestá-los quando for o caso. Nada é mais revoltante do que a festa do fascismo dominical filmado pela Globo. Mas ainda assim é desrespeitoso acreditarmos que as pessoas simplesmente não sabem o que fazem quando o fazem.

A própria ideia do que significa viver politicamente entre iguais é desrespeitada pelos ausentistas (sejam eles coxinhas ou petralhas, vale lembrar). A falácia contida no argumento conclui que, a partir do fato de que existe uma divergência profunda sobre a melhor solução para um problema social, que a divergência em questão é na verdade fruto da ignorância cognitiva de quem diverge.

Fruto de nossa tendência à "auto-sabotagem", segundo o historiador. O ausentista afirma que não deveriam existir desacordos ou que, se eles existem, as pessoas deveriam ser levadas a acreditarem - em nome de um bem maior ? - que eles não existem. Talvez, o conflito distributivo brasileiros deveria ser tratado como se não fosse um problema ou que, afinal, não vivemos na democracia mais economicamente injusta do mundo. O problema é que muito provavelmente as classes D e C possam não queiram viver nessa fantasia.

O problema é que a divergência atualmente em curso no Brasil existe, é aguda e não é causada apenas pelo desordenamento das nossas paixões. Existe um conflito distributivo grave em andamento. Narrativas que ignorem esse fato sirve para justificar a desestabilização de um governo que, para o bem ou para o mal, encontra sua justificação na legitimidade democrática. Destruir essa legitimidade é sacrificar a única forma civilizada de resolvermos problemas como esses em um ambiente de pluralismo de interesses materiais e conflitos de valores, na maioria das vezes irredutíveis. De fato, esse conflito não explica tudo. Talvez explique pouco até. Mas tentar ignorá-lo é desrespeitar nossa inteligência.