domingo, 31 de janeiro de 2016

Leif Wenar: A Tirania no Século XXI

O pânico causado pela queda repentina do preço do petróleo ao longo das últimas semanas mostrou que, a despeito dos esforços pela busca de alternativas ao consumo dos combustíveis fósseis, nosso mundo ainda depende do petróleo. O futuro político de regiões exportadoras inteiras permanece incerto e o mercado de recursos naturais se mostra, uma vez mais, um fator de primeira importância para entendermos a configuração geopolítica do mundo em que vivemos. De acordo com o filósofo do direito Leif Wenar (King's College), além das preocupações econômicas, geopolíticas ou ecológicas tradicionalmente relacionadas ao petróleo, teríamos outra boa razão para nos preocuparmos com o mercado de recursos naturais: uma preocupação moral. Para Wenar, ele é a principal fonte de sustenção econômica das tiranias no século XXI.  

Em seu livro recém publicado Blood Oil, Wenar procura oferecer uma imagem abrangente e extremamente sombria das consequências do mercado do petróleo e dos recursos naturais em geral (uma versão preliminar dos argumentos de Wenar pode ser encontrada aqui). O livro é o resultado de mais de uma década de pesquisa sobre os conceitos de direito de propriedade e legitimidade aplicadas ao debate sobre o fluxo global de mercadorias e recursos naturais. As conclusões do livro sobre o papel do dinheiro do petróleo pode ser sombria, mas está longe se ser surpreendente: nas últimas décadas, as maiores catástrofes humanitárias - como Darfur, Serra Leoa e Síria - ou as piores tiranias - como os regimes líbio e saudita - foram, ou estão sendo, financiadas pelo dinheiro obtido por petróleo de sangue. Petróleo, é preciso ressaltar, vendido para os países desenvolvidos do Ocidente. 







O argumento central de Wenar é simples. Se aceitamos a proposição fundamental do direito moderno segundo a qual o poder não cria legitimidade, ou melhor, que o mero exercício da força não possui valor moral para estabelecer uma relação jurídica, então, não deveríamos aceitar em nossas sociedades os benefícios de recursos obtidos de modo ilegítimo em outras partes do mundo. Imaginemos que no intuito de começar um empreendimento lucrativo em uma pequena cidade no interior de um país distante, uma empresa multinacional domine por meio da força a terra e os recursos que ela necessita, usando de violência contra os antigos moradores. Ou ainda, que alguém capture uma pessoa, obrigando-o(a) a trabalhar em condições degradantes pelo resto da vida em proveito próprio. Acharíamos que a empresa ou o captor deveriam ter o direito ao seus respectivos lucros? O fato de tais eventos ocorrem longe de nossas vidas não muda em nada o estatuto moral do nosso julgamento nem deveria garantir, segundo Wenar, a legitimidade de seus produtos em outros mercados.

Contudo, em se tratando de recursos naturais pensamos de outro modo. Senhores da guerra e tiranos ao redor do mundo estariam nesse exato momento se apropriando à força da riqueza coletiva e, por meio da ajuda do mercado internacional e companhias ávidas por lucro fácil, financiando seus regimes autoritários. Se não aceitamos que o uso da força contra seres humanos estabelece autoridade política, não deveríamos aceitar que o mesmo se passa em relação ao uso da força para a extração e venda de recursos naturais? Petróleo de sangue - ainda que extremamente necessário às nossas econômicas - deveriam ser comprado?

Um dos pressupostos centrais do argumento de Wenar é o de que cabe as pessoas que vivem nos locais de extração a última palavra quando ao uso legítimo de recursos naturais, uma espécie de "propriedade natural" do meio ambiente. Nesse sentido, legitimidade significa a auto-determinação política de decidir sobre e se beneficiar em relação à sua extração - na é coincidência que um das seções do livro é intitulada em português: "o petróleo é nosso":


The human rights revolution that began with the Universal Declaration of Human Rights in 1948 has been extremely successful in displacing the idea of absolute sovereignty in international law. The basic thrust of human rights doctrine is to insist that there are certain things that the rulers of a country must not do to the people of that country (torture them, enforce their enslavement, kill or arrest them arbitrarily, etc.), and other things that rulers must do for them (e.g., protect their personal property, provide them with fair trials). No one claiming to rule a country can now claim that their abuse or neglect of the people is only a matter of “internal affairs.” Human rights qualify the sovereignty of those who hold power in a country, and securing human rights is now seen as a condition for legitimate rule 

[...]

The “might makes right” norm that enables the resource curse is a remnant a pre-modern world of absolute sovereignty and colonial rule. The contrast between this anachronism and the modern understanding of legitimacy is vivid. It makes just as little sense that a capacity for violent domination should give a regime legitimate authority over citizens’ resources than that a capacity for violent domination should give a regime legitimate authority over citizens’ persons. Once the old idea of unqualified sovereignty is given up for one, the other too must go. Indeed there need not be a “resource rights” revolution to follow the human rights revolution, because as we have seen the fact that a people owns its resources is proclaimed by the major human rights treaties already in force. Each people’s right to its resources is a human right. 

O argumento pode parecer utópico a primeira vista. Em primeiro lugar, precisamos estabelecer critérios mais ou menos confiáveis para assegurar que um certo recurso está, ou não, sob o controle legítimo de uma povo ou grupo. Se a ideia de universalização de direitos humanos apresenta problemas, certamente a proposta de Wenar é ainda mais complicada conceitualmente. O livro procura oferecer alguns critérios para isso, tais como (i) a possibilidade debate público livre sobre o  melhor uso social dos recursos, (ii) a contestabilidade de decisões políticas passadas (como a nacionalização) e (iii) o direito de benefício econômico socialmente partilhado.

Em segundo lugar, e talvez de modo ainda mais desafiador, não é crível esperar que os compradores de recursos baratos estejam interessados em alterar seus hábitos de consumo. A lei do mercado é simplesmente a lei da selva (de modo totalmente previsível essa foi justamente a reação da revista inglesa The Economist sobre o livro). Pior: a influência de grandes corporações privadas na representação democrática  - o exemplo do dinheiro do petróleo na política norte-americana representaria um caso paradigmático.  A verdade é que não conseguimos imaginar um mundo no qual o mercado global de recursos seja legítimo nos termos de Wenar sem alterarmos radicalmente o modo de vida ocidental. 

Mas antes de perdermos as esperanças é preciso atentar para um fato importante ressaltado pelo filósofo. Essa não é a primeira vez que nos deparamos com essa situação. O fim da escravidão, no século XIX, e do colonialismo, no século XX impuseram danos econômicos significativos às economias européias e à países escravocratas como os EUA e o Brasil. Na verdade, a analogia histórica com o mercado de açúcar no Atlântico ocupa um lugar de destaque no livro de Wenar. Segundo os dados apresentados pelo autor, as sucessivas campanhas anti-escravistas na Inglaterra do século XIX custaram, em média, até 2% do crescimento econômico anual inglês ao longo de 60 anos. Acabar com o trabalho escravo ao redor do mundo significou, de fato, cortar o lucro advindo do mercado de açúcar e remodelar setores produtivos inteiros. Sacrifício que o establishment político da época lutou ferozmente para não fazer - como, por exemplo, o prefeito escravocrata de Londres e a opinião pública inglesa, espécie de The Economist da época. 

O livro de Wenar é raro em sua capacidade de aliar filosofia rigorosa a uma apresentação competente de problemas econômicos e políticos reais em nossas sociedades. Certamente uma contribuição importante em tempos nos quais a esfera pública brasileira e internacional mostra extrema dificuldade em avaliar recursos, sejam eles humanos ou naturais, para além de seus respectivos valores de mercado. 


Links:

- Wenar: On Trade and Tyranny (Philbites)
(Entrevista de Wenar para a plataforma PhilBites a respeito do livro)

- Wenar: "Rights" (Stanford)
(Verbete da Stanford sobre os vários usos do conceito de direitos individuais na filosofia do direito)

- Wenar: "Property Rights and the Resource Curse" (working paper)
(Working paper de 2007 sobre a "maldição política" dos recursos naturais)

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Chamada: Conferência Anual de Teoria Política (Oxford)

O programa de teoria política de Oxford está recebendo submissões de trabalhos para a 5a. Conferência de Pós-Graduação que acontecerá entre os dias 13 e 14 de maio. O tema desta edição será feminismo e o prazo de submissão estende-se até o dia 06/03. Pesquisas ligadas tanto aos argumentos quanto ao ativismo político feministas estão ganhando espaço na academia brasileira. As conferências anuais de teoria política de Oxford são um excelente oportunidade para a expansão dessa comunidade de pesquisa. Abaixo, a chamada completa. 

Feminism and (Political) Progress

Fifth Oxford Graduate Political Theory Conference
University of Oxford   |   May 13 & 14 2015
Keynote speaker: Lorna Finlayson (University of Essex)
The development of Western feminist thought is typically framed in terms of ‘waves’, implying progression within the movement. At the moment, because of a resurgence in feminist politics and activism some are arguing that a new wave of feminism is emerging. Yet, this so-called ‘Fourth Wave’ has been difficult to define. Proponents of Fourth Wave Feminism argue that this framing is necessitated by radical disagreements over what the aims of feminism, as a movement, should be. It is clear that a new intellectual configuration is emerging insofar as ‘Fourth Wave Feminism’ can be seen as an umbrella for the responses to both Second and Third Wave problematics – both in activism and the academy.
How can today’s feminist movement incorporate and respond to both the materialist concerns of the Second Wave and the ideological concerns of the Third Wave while not simultaneously assuming their political baggage?
Despite the progress implied by a new feminist wave, it is far less clear what exactly feminism is now progressing towards. This revival in feminism seems to know what it is against, but what it is forremains highly contested. The current inability to present a positive definition can be seen as an opportunity to critically reflect on the aims and methods of the feminist project, how we should characterise political progress, and what exactly we must fight for.
Papers are welcome from across the discipline and may address, without being limited to, the following:
  • Feminism and Historical Injustice: Decolonial and postcolonial feminism, feminist perspectives on colonisation and occupation
  • Intersectionality and Exclusion: Queer issues, feminism and race, women and religion
  • Feminism and the Self: feminism and the body (embodiment), identity politics, anti-essentialism
  • New Areas of Feminism Concern: Cyberfeminism, ecofeminism, development
  • Feminist Revivals: Waves of feminism, Marxist feminism and social reproduction, issues of suffrage
  • Women and Political Violence: Feminism and war, protest and civil disobedience, women and terrorism
  • Feminist Interpretations of the State: Rights, redistribution, women’s interactions with the state
  • Feminist Methods/Modes of Critique: Consciousness raising, emotionality, linguistics
We invite submissions of abstracts of no more than 500 words by March 6, 2016. Email submissions to oxfordpoliticaltheory@gmail.com and have them formatted for blind review so that your name does not appear with the abstract. Please note, only graduate students, postdocs, and those still seeking full-time academic lectureships may apply.
Successful applicants will be notified by March 18, and full papers (for a 15-20 minute talk) should be submitted to the committee by May 6 for pre-conference circulation.


terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Chamada: Conferência sobre Secularização e Tolerância na Universidade de Los Andes

A Universidad de Los Andes (Chile) está recebendo trabalhos para a conferência internacional sobre secularização e tolerância que acontecerá em novembro de 2016. Propostas de trabalho sobre os temas religião e política podem ser enviadas até 15/02 e serão aceitos trabalhos em inglês e espanhol. Entre os pesquisadores convidados, estão Andrew Murphy (Rutgers) e Vyacheslav Karpov (Michigan). Mais informações podem ser encontradas no link abaixo:


SECULARIZATION AND TOLERATION. INTERNATIONAL CONFERENCE. UNIVERSIDAD DE LOS ANDES, SANTIAGO DE CHILE, 9-11 NOVEMBER 2016

I am pleased to announce that the University of the Andes, Chile, will be hosting a conference on toleration and secularization.
Not long ago, secularization and toleration were integrated into narratives of progress and modernity, in which both of them were understood as deeply intertwined. More recent theoretical and empirical scholarship, including historical research and more nuanced accounts of secularization and desecularization, have seriously challenged oversimplified claims about linear development, and offered new and more subtle accounts of these complex processes.
In this context of changed scholarship, the conference seeks to further explore the relationship between secularization and toleration. The conference will be held 9 November to 11 November 2016, and it is open to both historical and systematic contributions from all the relevant disciplines. We are happy to receive proposals from those interested in giving a 45 minutes lecture. Confirmed speakers are Andrew R. Murphy (Rutgers) and Vyacheslav Karpov (Western Michigan University).
Lecture proposals of no more than one page in length should be submitted, along with a short CV, to msvensson@uandes.cl by February 15, 2016. A selection of proposals will be made and the authors will be notified by the end of February. Please forward this call for papers to anyone in your network that may be interested.
We look forward to receiving your abstracts and welcoming you to Chile. Further information (registration fee, accommodations, etc.) can be found at 

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Dossiê sobre liberdade e religião na Revista Etic@

A última edição da Revista Etic@, publicada pelo departamento de filosofia da UFSC, foi dedicado ao tema da liberdade religiosa em contextos democráticos, tendo como tema de convergência os debate sobre liberdade de expressão e fanatismo pós-Charlie Hebdo. (Vale lembrar que o blog também abriu espaço para contribuições de cientistas políticos, filósofos e antropólogos sobre o tema: ver aqui e aqui).

Destaque para os artigos de Alessandro Pinzani (UFSC), sobre o papel dos discursos religiosos na esfera pública, Evania Rich (UFSC) sobre os argumentos de restrição de símbolos islâmicos na França, Felipe Campello (UFPE) sobre a interpretação hegeliana do fanatismo religioso e Marcos Alves (CUF) sobre o papel da diferença no pensamento de Levinas. A lista completa dos artigos pode ser encontrada aqui.



Alessandro Pinzani

O artigo analisa diferentes discursos que, neste momento, estão sendo formulados sobre a religião na esfera pública. Não se falará nele da religião ou das religiões, mas da maneira na qual esses temas são percebidos e discutidos na opinião pública ocidental, em particular europeia, pois essa discussão tem algo relevante para a discussão sobre o papel da religião na sociedade brasileira. Serão considerados três discursos que serão denominados respectivamente de (1) “determinismo cultural”, (2) “anti-religiosidade seletiva” e (3) “laicismo estatal”. A intenção do artigo é apontar para os erros lógicos e categoriais e para as incoerências presentes nesses discursos que dominam o atual debate sobre o lugar da religião em geral e do Islã em particular nas sociedades ocidentais.

Evania Elizete Reich

O artigo discute o tema da laicidade republicana francesa e a questão da proibição do uso do véu nas escolas pelas meninas muçulmanas. São três os principais objetivos deste artigo: o primeiro é situar o discurso laicista na tradição republicada francesa, o segundo é apresentar os seus argumentos em defesa à proibição do uso véu, e por último, sublinhar algumas críticas que são feitas ao pensamento laicista, seja por parte de uma corrente de esquerda francesa, seja por parte de um movimento feminista representada por mulheres tanto muçulmanas quanto não muçulmanas. 
Filipe Campello

O presente artigo tem como objetivo encontrar em Hegel uma contribuição teórica para a debate recente sobre pós-secularismo e a relação entre religião e esfera pública, em particular em torno do conceito de fanatismo. Em primeiro lugar, como veremos, o que se sobressai na abordagem hegeliana é o modo em que o conceito de fanatismo é desenvolvido a partir de uma teoria da liberdade e suas patologias; e, em segundo lugar, como este modelo de liberdade vincula-se a uma teoria de formação da vontade livre em que as instituições cumprem um papel central. Em vista desta proposta interpretativa, apresento meu argumento em dois passos. Primeiramente, discuto brevemente em que medida o conceito hegeliano de fanatismo, ao vincular-se a um modelo de liberdade, pode contribuir para o debate contemporâneo (1). E, em segundo lugar, apresento como a intuição original de Hegel pode ser atualizada a partir de um modelo normativo de processos de aprendizagem (2). 
Marcos Alexandre Alves

O texto indaga acerca do núcleo das confrontações do pensamento contemporâneo, para mostrar qual é o lugar que corresponde, nesse contexto, à Levinas. Neste sentido, mostraremos, em primeiro lugar, o motivo principal pelo qual, tem-se produzido, nos últimos anos, uma revalorização do pensamento de Levinas, a saber, a virada ética contemporânea; em segundo lugar, ilustraremos uma das noções básicas da proposta filosófica levinasiana, que se encontra em íntima relação com os problemas que o pensamento contemporâneo tem desenvolvido: racionalidade ética como abertura à diferença não indiferente – alteridade

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Marc Milá: Concentração de Renda no Brasil (1933-2013)

Um dos pesquisadores ligados ao World Top Incomes Database, Marc Milá (Paris School of Economics), publicou os resultados preliminares de sua tese de doutorado sobre a concentração de renda no Brasil. O trabalho entitulado Income Concentration in a Context of Late Development: An Investigation of Top Incomes in Brazil using Tax Records, 1933–2013 procura aplicar ao caso brasileiro a mesma metodologia de mensuração de desigualdade utilizada nos trabalhos de Piketty & Saez. Ou seja, um estudo focado em trajetórias econômicas de longo prazo e com ênfase na apropriação da renda nacional anual pelo 1% mais rico da sociedade. Trata-se de um trabalho denso e relativamente longo (mais de 100 páginas) mas um de seus principais achados é a constatação de que a concentração de renda pelo 1% ao longo dos últimos 40 anos no país representou em média 25% da riqueza nacional anual. 

Ao utilizar os dados da receita federal para justificar seus achados, a tese acrescenta mais uma rodada no debate atual sobre a dinâmica da desigualdade no Brasil (ver aqui e aqui para outros posts sobre o assunto). O trabalho aponta também para uma aparente correlação histórica entre aumento da concentração de renda no topo da pirâmide social e retração de investimentos. O que, caso seja empiricamente comprovado e corretamente interpretado, pode fortalecer a tese de Krugman de que a desigualdade, além de um problema moral, pode ser também um problema econômico para o desenvolvimento social.



Abstract

This paper presents new estimates on income concentration in Brazil over its development trajectory from 1933 to 2013 using individual tax records. The findings confirm Brazil’s status as one of the world’s most unequal countries, with concentration levels unrivalled elsewhere. Income has been highly concentrated at the top of the distribution, with the top 1 per cent amassing a share of 27 percent in 2013, and consistently fluctuating around 25 per cent since the mid 1970’s. The majority of the income of the very rich in Brazil is not subject to the personal income tax, explaining their low tax liability and the difference between top shares of taxable income and top shares of total income, the latter registering much higher levels of concentration. We also present evidence that household surveys underestimate the extent of income inequality in Brazil. The overall findings illustrate the additional taxable capacity of top income groups, especially in a context where they are not investing as much in the productive capacities of the economy as their share of total income would justify.

Vagas de pós-doutorado no CEBRAP

Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) abriu 15 vagas de pós-doutorado para recém-doutores e doutoras nas áreas de ciência humana. Além de abrigar diferentes núcleos de pesquisa compatíveis com a teoria política, trata-se de um dos mais importantes think tanks de ciências humanas em atividade do Brasil. As inscrições vão até o dia 31/01 e podem ser enviadas ao email postdoc@CEBRAP.org

A chamada completa pode ser encontrada abaixo:


CEBRAP's INTERNATIONAL INTERDISCIPLINARY POSTDOCTORAL PROGRAM

CEBRAP’s International interdisciplinary Postdoctoral Program is meant to complement the training of doctors by providing them with top-notch interdisciplinary experience, enabling them to tackle research topics beyond the boundaries of the fields in which they have been trained and to acquire a broader view of the major issues in our contemporary societies.  The program also expects that an international group of doctors will allow for a comparative framework in researched topics.

The IIPP is aimed at doctors with a PhD in anthropology, political science, demography, law, economics, philosophy, history, and sociology, whose interests are aligned with those of the CEBRAP´s research program.
The program will select up to 15 PHDs from different nationalities and will last for one year, with a continuous 9-month stay at CEBRAP and a 3-month at a partner foreign institution. 
The IIPP draws on a successful previous experience by CEBRAP, the Cadre Training Program (1986-2002), later changed into the Postdoctoral Program (2003-2007), which enrolled 116 young Brazilian researchers.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Souza: A Tolice do Pensamento Social Brasileiro

Em uma controversa entrevista para a Folha de S. Paulo, o sociólogo e atual presidente do IPEA, Jesse de Souza (UFF), criticou duramente a presença de teorias culturalistas no debate público brasileiro e defendeu as principais teses do seu novo livro A tolice da inteligência brasileira. De acordo com Souza, uma teoria conservadora de matriz culturalista teria colonizando as discussões sobre as instituições políticas no Brasil. Tal interpretação seria especialmente cara entre a classe média revoltada e estaria sendo diariamente reforçada pela cobertura da grande mídia das crises econômicas e políticas no país.

De acordo com essa visão, o patrimonialismo nos negócios públicos, a dificuldade de separação entre público e privado e, principalmente, a suposta dificuldade em respeitar o regime da lei no país, seriam traços essenciais da nossa identidade. As razões para isso variam conforme o expositor: ora ela é explicada por meio das características particulares da nossa colonização, ora encontra respaldo nas raízes histórico-religiosas do país. O fato é que, em geral, tais narrativas acabariam por reafirmar a mesma conclusão: a inferioridade relativa das instituições políticas no país em comparação com outras sociedades culturalmente mais propícias à democracia do que a brasileira. Uma das implicações dessa interpretação é a conclusão segundo a qual, a verdadeira culpa pelo suposto atraso político brasileiro deve ser procurada nos elementos menos educados do país.




A força do elitismo conservador não chega a ser uma novidade entre a inteligência nacional. A tese específica e teoricamente interessante do trabalho de Souza, no entanto, é a ligação estabelecida pelo autor entre essa forma particular de autocompreensão da organização social brasileira e o assim chamado cânone do pensamento social brasileiro. Teóricos neoculturalistas encontrariam em autores clássicos como Sérgio Buarque de Holanda e Raimundo Faoro o suporte intelectual necessário para continuarem a reproduzir tais interpretações e seus consequências normativas elitistas mesmo contra a produção mais recente nas ciências sociais. É importante notar que o problema para Souza não é apenas que tais argumentos são empiricamente falsos - algo razoavelmente trivial - mas também que eles são perfeitamente compatíveis com a manutenção da exploração das vantagens sociais pelos grupos historicamente privilegiados pela cooperação social no país. O corolário do argumento pode ser colocado da seguinte forma: dada a cultura atrasado do brasileiro, quanto mais gente participar da política, seja no governo seja por meio do voto, pior serão as consequências sociais. 

Como afirma Souza:

O patrimonialismo só sobrevive como um conceito que quer dizer alguma coisa em um contexto que pressupõe o complexo de vira-lata do brasileiro. Essa é a questão principal. É só porque se imagina, candidamente, que existam países onde não há a apropriação privada do Estado para fins particulares –os EUA para os liberais brasileiros seriam esse paraíso– que se pode falar de patrimonialismo como particularidade brasileira.
Imagine a meia dúzia de petroleiras americanas, que mandavam no governo Bush filho, atacando o Iraque, com base em mentiras comprovadas, pela posse do petróleo. E com isso matando milhões de pessoas e desestabilizando a região até hoje com consequências funestas que todos vemos.
Quer melhor exemplo de apropriação privada do Estado para fins de lucro de meia dúzia sem qualquer preocupação com as consequências? [...] Minha tese é a de que, no Brasil, o patrimonialismo serve para duas coisas bem práticas:
1) A primeira é demonizar o Estado como ineficiente e corrupto e permitir a privatização e a virtual mercantilização de todas as áreas da sociedade, mesmo o acesso à educação e à saúde, que não deveria depender da sorte de nascer em berço privilegiado;
2) Serve como uma espécie de "senha" de ocasião para que o 1% que controla o dinheiro, a política (via financiamento privado de eleições) e a mídia em geral possa mandar no Estado mesmo sem voto. Não é coincidência que tenha havido grossa corrupção em todos os governos, mas apenas com Getúlio, Jango, Lula e Dilma, governos com alguma preocupação com a maioria da população, é que a "senha" do patrimonialismo tenha sido acionada com sucesso. Somos ou não feitos de tolos?
Em linhas gerais teorias, ou melhor dizendo, esquemas conceituais culturalistas (termo esse mais preciso, uma vez que não se trata, na maior parte dos casos, de um conjunto plenamente coerente de premissas e regras de inferência) condenaria a política à ineficiência e à corrupção, por oposição as forças virtuosas do mercado e família. Ludibriados pelas meias verdades e pela confusões analíticas do pensamento social brasileiro, a classe média acabaria aceitando sem grandes problemas duas características - essas sim - verdadeiramente idiossincráticas de nossa democracia: uma das maiores taxas de juros do mundo e a inexplicável tolerância em relação à crueldade com que tratamos os sub-cidadãos no Brasil. 

Na entrevista Souza chega a propor um interessante contrafactual para testarmos teses culturalistas como a proposta pelo antropólogo Roberto DaMatta. Se a hierarquia social no Brasil fosse de fato fundada nas relações inter-pessoais, e não no acesso privilegiado aos benefícios sociais trazidos pela apropriação injusta do capital social, então deveríamos esperar a separação entre privilégio social, de um lado, e capital econômico de outro. Contudo, como afirma Souza:

[o] leitor que nos lê conhece alguém com acesso a relações pessoais com pessoas poderosas sem, antes, ter capital econômico ou capital cultural? Se o leitor conhecer, então DaMatta tem razão na sua tese do jeitinho.

Não precisamos ir muito longe nos dados sobre a desigualdade social para rejeitarmos essa hipótese.

Independentemente de eventuais disputadas políticas, podemos afirmar que a obra de Jesse consolida-se como parte de uma tendência mais ampla nas ciências sociais brasileiras preocupada em oferecer uma revisão crítica de algumas das antigas teses recebidas sobre o desenvolvimento histórico das instituições políticas no país (e na America Latina de modo geral). A obra de Jesse Souza representa também um excelente motivo para repensarmos a incrível falta de criatividade intelectual da produção em ciência social no país, sempre voltada às grandes interpretações de autores pretéritos e distante dos problemas imediatos produzidos pelas sociedades democráticas.