quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

2016: Os melhores textos de um ano ruim

O ano de 2016 termina como um pesadelo, um ano de som, fúria, golpes e muito gás lacrimogênio. Com o intuito de nos prepararmos para 2017, o que já promete ser um ano igualmente traumático pela quantidade de golpes, o Liga selecionou alguns dos melhores textos que passaram pela nossa plataforma ao longo do último ano. Na lista, estão resenhas, ensaios e artigos de intervenção dialógica.

Como bem colocou Eliane Brum, escritora e uma das melhores jornalistas em atividade do país, o amanhã não pode ser apenas inverno.




Chamada: Pós-doutorado no NEV (2017 - 2018)

O Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP está com quatro vagas de pós-doutoramento abertas em seu projeto de pesquisa sobre direitos humanos, violência e confiança institucional. As bolas da Fapesp são de um ano (renováveis por mais dois) e o prazo para a submissão de candidaturas termina dia 06/02 de 2017. A chamada completa encontra-se abaixo.



Call for Post Doctoral Fellows – Centre for the Study of Violence – USP (CEPID/FAPESP Program)

The Centre for the Study of Violence of the University of São Paulo invites post-doctoral fellowship applications in four areas within the Institutional Research Program Building Democracy Daily: Human Rights, Violence and Institutional Trust, supported by the São Paulo Research Foundation (FAPESP). The four fellowships are open for researchers from Brazil and abroad, and the projects may be one-year long, renewable for two more years, beginning in March, 2017.
The Centre for the Study of Violence – University of São Paulo

The Centre for the Study of Violence (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo – NEV/USP) was created in 1987. It was founded in the context of the Brazilian democratization. Since its creation, NEV has analysed aspects of the complex relations between the persistence of violence, human rights violations and democratic consolidation. Its research topics range from state violence, human rights, public security policies, criminal justice, exposure to violence, attitudes towards human rights, rule of law, and the quality of democracy in Brazil.

Building Democracy Daily: Human Rights, Violence and Institutional Trust

The ongoing institutional research program focuses on the way in which laws, rules and procedures are implemented over time and how this relates to the legitimacy of key institutions to democracy. We propose to analyse how this legitimacy is daily constructed, or jeopardized, by exploring the contacts between citizens and authorities, and its implications on human rights and violence. The project focus on the Brazilian context. It also aims to consolidate and expand an international research network that will lead to the establishment of cross-national studies. The CEPID Programme provides investments in educational activities and knowledge transfer as well.

The research combines micro and macro level data. The general research project is based on a longitudinal panel study to be carried out with residents, civil servants and early adolescents from strategically selected areas in the city of São Paulo. The panel aims to clarify causality relations, as well as explore on-going socialization processes. Please be advised that the research proposals must be related with, and contribute to the main project, as well as promote dialogues with the used literature. Access the summary of the main project and the first three yearly reports:





The four areas are listed below. Please click on each one to access the summary and work plan.

  1. Relations of Authority in Police Institutions – 1 fellowship
  2. Methodological studies about perception of legitimacy and institutional trust based on statistics and quantitative methods – 1 fellowship
  3. Legal socialization process of children and adolescents – 1 fellowship
  4. Innovations in public policies and legitimacy – 1 fellowship


Candidates’ requirements

1 – The candidates must have Ph.D., obtained in the last five years, in Sociology and/or Social Sciences related fields, with a strong quantitative, qualitative and methodological background, depending on the specificities of each area;
2 – Proficiency in English (both speaking and writing);
3 – Demonstrate academic publishing in the last five years, mainly in peer-reviewed academic journals;
4 – Full dedication to research (except under conditions outlined in the resolution PR Nº 13/2009, 15 July 2009);
5 – Not to receive a fellowship from another entity, salary or remuneration deriving from the exercise of activities of any nature (except under conditions outlined in the resolution PR Nº 13/2009, 15 July 2009).
Documents for application
1 – CV Lattes (www.lattes.cnpq.br) or Curriculum Vitae, if foreigner;
2 – MyResearcherID and/or MyCitation (Google Scholar);
3 – Publications list;
4 – Research proposal in English (five-to-ten pages);
5 – Copy of two publications (articles, books or book chapters).

 Contact and deadline

The candidate must send the documentation by email to nevselecao@gmail.com with the subject “Postdoctoral Fellowship NEV/CEPID” followed by the chosen area. The deadline is February 06, 2017. For additional information, send an email to nevselecao@gmail.com with the subject “Question about NEV PD Process”.

Selection process

Candidates will be selected in two stages. The first stage consists of the evaluation of the CV, publications, the professional profile of the candidate and the research proposal. This first stage is eliminatory. The second stage consists of an interview with the Selection Commission, who will evaluate the merit of the proposal and the interview performance. Candidates selected for the second stage will be contacted by email between February 13, 2017. Interviews (face-to-face or by video conference) will occur between February 14-16, 2017.

Results

Candidates will be informed of the final result by email, and the information will be published on the website www.nevusp.org.br on February 17, 2017.

More information on: http://www.fapesp.br/oportunidades
The Post-doctoral Fellowship Program

The selected candidate will receive a NEV-CEPID/FAPESP Fellowship, which includes a monthly stipend of R$ 6.819,30 (approximately US$ 2.009,99 – Nov. 24, 2016) and Research Contingency Funds of 15% of the annual value of the stipend. Research Contingency Funds must be used with expenses related to research activity. Selected candidates will be able to work in a shared office at NEV-USP and have access to other facilities for fellows at the University.
The Fellowship can also include a financial support for researchers who need to move to São Paulo. If needed, this support can be requested at the end of the selection process. For more details on the fellowship, please visit www.fapesp.br/bolsas/pd for Portuguese, and http://www.fapesp.br/en/5427 for English.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

A imobilidade social nos EUA

Ao ter que explicar as consequências econômicas de uma sociedade divida em classes sociais engessadas, o economista norte-americano Joseph Stiglitz costuma contar a seguinte piada: qual é a melhor decisão que um jovem ou uma jovem pode tomar em relação ao seu futuro nessas sociedades? Resposta: escolher quais serão seus pais.

A piada pode não ter muita graça, mas representa bem o problema que a desigualdade econômica coloca para o princípio da igualdade de oportunidades sociais. Mesmo em uma formulação pouco exigente, esse princípio nos diz que, dada duas pessoas com os mesmos talentos e a mesma motivação, em uma sociedade justa elas deveriam ter chances iguais de ocupar uma mesma posição social, independentemente de suas respectivas circunstâncias sociais - tal como, justamente, o ambiente familiar nos quais foram criadas.

O princípio de igualdade de oportunidades sociais é importante não apenas para aqueles e aquelas que querem subir (ou não querem descer) na pirâmide social. Ele também é um dos únicos fundamentos morais para a justificação da desigualdade econômica. Esperamos que em geral quem possui uma renda pessoal maior, isto é, quem ocupa as melhores posições sociais em termos de dinheiro, prestígio e poder, chegaram até lá pelo uso inteligente de seus talentos e pela motivação pessoal em contribuir para a produção social da riqueza. Caso o sistema de posicionamento social esteja "fechado" para um grupo social determinado - ou mesmo para a maioria da sociedade como nas sociedades estamentais - podemos facilmente concluir que o preenchimento das melhores posições sociais é mais uma questão de privilégio do que de oportunidade social. Uma sociedade justa certamente demanda mais de sua estrutura social do que apenas uma competição equitativa pelos melhores cargos. Mas nunca poderia demandar menos do que isso.

Índices de mobilidade social são uma boa forma de avaliar em que medida o princípio de igualdade de oportunidades funciona ou não em uma determinada sociedade. Como vimos na piada de Stiglitz, um sinal importante de falta de mobilidade social é a divisão econômica da sociedade em classes rígidas. Filhos de pais ricos, em geral, tendem a ter muito mais chances de permanecem ricos do que filhos de pais pobres subirem a ladeira social. A razão para isso é bem simples: quanto mais acesso à recursos sociais como educação e saúde, e aos recursos "informais" proporcionados pelo investimento familiar, mais chances uma criança possui de entender e se beneficiar das oportunidades sociais existentes em seu mundo social (recentemente, o sociólogo Robert Putnam procurou mostrar que mesmo atividades aparentemente triviais, como contar histórias antes de dormir e buscar as crianças no colégio, possuem consequências não desprezíveis para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e emocionais nos mais jovens, habilidades extremamente valiosas para o sucesso na escola e no mercado de trabalho).

É contra esse pano de fundo que precisamos entender a importância do debate sobre o enxugamento da classe média nos EUA. Após compor a maioria da sociedade norte-americana por mais de 4 décadas, em 2015 a soma das famílias ricas e pobres igualou estatisticamente a soma do estrato médio da renda no país. Segundo os dados do Pew Research Center, no início de 2015 cerca de 120,8 milhões de adultos viviam na faixa da renda familiar de classe média, enquanto 121,3 milhões vivam com renda familiar mais baixa ou mais alta do que a classe média somados. Ou seja, de um ponto de vista aritmético, os EUA se transformaram em uma sociedade de classe tal como o Brasil e a Índia (ver aqui outro post sobre o enxugamento da classe média nos EUA).

A perda de uma classe de transição econômica entre o topo e a base da pirâmide social tende a engessar a mobilidade social. E sem a efetividade do princípio de igualdade de oportunidades, a desigualdade social converte-se em privilégio e exploração. Por que? Tendo em vista o pressuposto sociológico de manutenção das melhores posições sociais, podemos esperar que nem os menos afortunados em relação à circustância familiar (mas não em talentos e motivação pessoal, importante frisar) deixam para trás as classes baixas, nem os mais afortunados perdem o acesso aos melhores empregos e oportunidades sociais seu privilégio social (independentemente, portanto, da sua contribuição para a sociedade). De fato, de um ponto de vista conceitual, nada impediria que, digamos, as famílias mais pobres ascendesse aos estratos mais ricos, e vice-versa, em apenas uma geração, sem necessariamente passarem pela classe média.  O problema do enxugamento da classe média é de ordem empírica e não conceitual. O ponto é que essa dinâmica é extremamente implausível (para dizer o mínimo), tanto por mecanismos de proteção dos de cima, como pela dificuldade dos de baixo em superarem obstáculos estruturais.


Pew Center: The American Middle Class is Loosing Ground

Ou seja, ainda que amplamente conhecidos, dados como esse ainda não eram o bastante para demostrar com rigor qual o nível específico de corrosão da mobilidade social nos EUA. Um novo estudo do centro de pesquisas sobre mobilidade social de Stanford mudou esse cenário. A equipe do economista Raj Chetty e do sociólogo David Grusky procuraram medir o tamanho da corrosão de mobilidade social no país que já teve a maior taxa de ascensão social do mundo - os resultados podem ser encontrados na plataforma The Equality of Opportunity Project. A realidade é bem pior do que se costumava esperar quando inferimos o resultado apenas levando em conta a polarização da renda. Chetty mostra uma queda persistente das chances das gerações dos filhos ganharem mais do que a geração dos pais ao longo de quarenta anos (ver o quadro abaixo). Uma pessoa qualquer nascida na década de 80 (na casa dos 30 anos hoje) possui 50% de chances de ganhar mais do que seus pais, em comparação com uma pessoa qualquer na década de 40, que contava com impressionantes 90% de chance.


The Equality of Opportunity Project

A pesquisa leva em consideração apenas padrões absolutos de mobilidade, isto é, não desagrega as chances de mobilidade por classe, o que provavelmente superestima as chances de ascensão das pessoas mais pobres. De modo interessante, a pesquisa compara dois cenários distributivos diferentes. Poderíamos argumentar, por exemplo, que a transformação da estrutura social nos EUA pode ser explicada não pelo aumento da desigualdade, mas sim pelo baixo crescimento econômico agregado. A equipe de Chetty comparou, então, dois cenários hipotéticos: (i) um cenário com o alto crescimento econômico dos anos 40, mas também os altos índices de desigualdade de hoje e (ii) um cenário com o baixo crescimento de hoje, mas com a também baixa  desigualdade social da década de 40. Aumentar o crescimento econômico - cenário (i) - aumentaria em 62% as chances de mobilidade social, enquanto distribuir mais equitativamente o crescimento (ainda que baixo) - cenário (ii) - aumentaria em 80% essas chances. Ou seja, ao contrário do que normalmente se acredita em cultos econômicos conservadores, uma melhor distribuição de renda não apenas é mais justo do ponto de vista dos princípios como também melhora a .

Problemas de mobilização social também possuem consequências indiretas para outras esferas sociais. Particularmente, a sensação "pauperização" dos estratos médios pode gerar descontentamento com o antigo status quo o qual costumava ser-lhes mais favorável. É interessante notar, por exemplo, que a distribuição geográfica da deteriorização da mobilidade social nos EUA corresponde em parte à radicalização de parte do eleitorado no país. Especialmente em estados do meio oeste (como Illionis e Michigan) os quais costumavam optar por propostas políticas mais centristas.

Normalmente dizemos que a eleição de Donald Trump representa a voz dos trabalhadores brancos pobres. Mais correto seria dizer: ele representa a voz dos trabalhadores brancos empobrecidos em relação às oportunidades de seus pais. Negros e imigrantes continuam sendo mais pobres do que trabalhadores brancos em números absolutos. Contudo, é justamente entre os trabalhadores blue collar do país que devemos esperar uma piora radical da mobilidade social em termos relativos. É como se, do ponto de vista de suas expectativas sociais particulares, homens e mulheres do meio oeste tivessem suas razões em concordar com o lema de Trump: "Make America Great Again".


Chances de mobilidade social para crianças do 20% mais pobres chegarem ao 20% mais rico 

Mapa dos resultados eleitorais de 2016 (Vermelho= Trump, Azul = Clinton)

Isso não significa, obviamente, que possamos simplesmente transpor os dois mapas e inferir mecanismos explicativos. Não podemos afirmar, por exemplo, que foram exatamente os afetados pela falta de ascensão social quem, nessas localidades, votaram no Trump. O ponto é que a trajetória de deterioração apresentada na pesquisa de Chetty precisa ser levada em consideração na hora de entendermos as profundas mudanças sociais operadas ao longo dos últimos nos países ricos pelo crescimento persistente da desigualdade econômica, e o fosso perspectivístico em termos de valores e interesses inter-classes que a divisão social estabelece. Talvez o movimento social por trás do novo populismo de direita nos EUA e na Inglaterra (os país mais desiguais e com piores índices de mobilidade social da OCDE) possa ser melhor compreendido como a frustração de famílias que tomaram consciência de que as possibilidade sociais abertas aos seus pais e mães não existirão mais para os seus filhos e filhas. 

Termino esse post com uma nota pessoal. Ao longo deste ano, apresentei os dados acima para diferentes pessoas no Brasil. Em todos os casos eu terminei a exposição traçando a seguinte comparação: em termos de mobilidade social, os EUA estão se "brasificando", ou seja, migrando de uma sociedade com alta mobilidade social (não necessariamente uma sociedade igualitária) para uma sociedade de classes rígidas como é o caso do Brasil. Sem exceção, meus interlocutores brasileiros lamentaram profundamente esse fenômeno. Na maioria dos casos, uma sociedade que realiza, em sentido minimamente efetivo, o princípio de igualdade de oportunidades sociais foi identificado como um valor social intrínseco, algo a ser mantido a todo custo. Eis, portanto, a explicação para lamento em relação aos EUA.

O ponto é que boa parte dessas pessoas não lamenta o fato de viverem em uma das sociedades mais injustas do mundo em relação à mobilidade social (ver abaixo a famosa "curva do grande Gatsby" que correlaciona imobilidade social e desigualdade econômica). Em alguns dos casos mais dramáticos de dissonância cognitiva, o interlocutor era favorável às políticas de restrição de mobilidade atualmente em debate no país após a destituição da presidente eleita Dilma Roussef, como o congelamento de investimento em saúde e educação públicas. Por que alguém que, em tese, valoriza a igualdade de oportunidades como questão de princípio, vê com tanta desconfiança o processo de inclusão social vivido pelo país as últimas décadas?


Não sei explicar o que se passa. Duas hipóteses são possíveis. Ou bem estamos diante de uma caso crônico de auto-imperIalismo cultural ("por natureza eles merecem algo melhor do que nós"), o que seria ridículo, ainda que explicável no contexto de nossa reprodução cultural, ou bem estamos diante de interesses de classe ("eu não quero arriscar as minhas oportunidades e privilégios sociais"). Qualquer que seja a resposta, o resultado é que o princípio de igualdade de oportunidades entre a elite brasileira funciona mais como uma dispositivo discursivo do que, de fato, de um comprometimento politico efetivo.

Enquanto as maravilhas de uma sociedade de livre-mercado e as chances iguais de desenvolvimento individual são valorizadas no discurso público, para o Brasil valeria o postulado de Stiglitz: o único preditor confiável de sucesso individual deveria continuar sendo a família na qual você nasceu.


- Chatty & ali: "The Fading American Dream: Trends in Absolute Income Mobility Since 1940"


segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Chamada: ICSI Summer Seminars (2017)

As inscrições para os Seminários de Verão de Teoria Crítica de 2017, organizados pelo Institute for Critical Social Inquiry da Social da New School (NY), terminam nessa semana. Os seminários ocorrem entre os dias 11 e 17 de junho do ano que vem e contarão seminários do filósofo Anthony Appiah (NYU), o geógrafo David Harvey (CUNY) e o antropólogo Michael Taussig (Columbia). Mais informações podem ser encontradas na chamada abaixo.

Agradeço a Lilian Sendretti pelo envio da chamada.



The Institute for Critical Social Inquiry (ICSI) at the New School for Social Research is pleased to announce that we are now accepting applications for our 2017 Summer Seminars (June 11 - 17). Advanced graduate students and faculty are eligible to apply. Applications are due December 15, 2016 by 11:59 pm Eastern Standard Time.

ICSI offers advanced graduate students and faculty from around the world the opportunity to spend a week at the New School’s campus in Greenwich Village, working closely with some of the most distinguished thinkers shaping the course of contemporary social inquiry. The Institute is founded on the premise that responding to current and emergent problems requires developing our collective capacities to formulate new and better questions, rather than relying on the application of all too familiar ready-made theories. Our themes are mobile and responsive, joining conceptual labor with pressing political concerns in our times, in an effort to understand and act upon better that which is emergent on our collective horizons. The Institute offers a unique and intensive opportunity for fellows to pursue this charge in one of the three week-long seminars designed to cultivate styles of thinking and conceptual vocabularies that address the disparate sites and unequal conditions in which we live.



K. ANTHONY APPIAH 
(Professor of Philosophy and Law, NYU)

The Cosmopolitan Nationalism of W.E.B. Du Bois

DAVID HARVEY
(Distinguished Professor of Anthropology and Geography, CUNY)

Marx and Capital: The Book, The Concept, the History
MICHAEL TAUSSIG 

(Professor of Anthropology, Columbia University)

Thought-Images, Body, and Mimesis in Walter Benjamin
 

sábado, 3 de dezembro de 2016

Fabrino: Pragmatismo e Teoria Crítica

Na próxima quinta-feira (8/12), Ricardo Fabrino (UFMG) apresentará o seminário Pragmatismo e Teoria Crítica: Diálogos Controversos no programa de seminários semanais do DCP-USP. A pesquisa de Fabrino tem se destacado como um das contribuições mais inovadoras da teoria política brasileira, seja em suas pesquisas sobre a luta por reconhecimento de movimentos socialmente marginalizados, seja com sua tentativa de alargar os horizontes conceituais da teoria crítica convencional, especialmente por meio das contribuições do pragmatismo de G. H. Mead (ver aqui um excelente artigo sobre o assunto). O evento é aberto ao público em geral e será transmitido ao vivo pela IPTV.





sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Summer-School in Political Philosophy (Minho/2017)

Todos os anos, o Grupo de Teoria Política da Universidade do Minho organiza uma escola de verão de filosofia política na qual, ao longo de uma semana de atividades, pesquisadores e pesquisadoras apresentam suas pesquisas em torno de um tema contemporâneo de filosofia política. É com prazer que divulgamos no blog a edição de 2017 da escola que terá como tema as relações e o mundo do trabalho: Philosophical Ideas for a Brave New World of Work. Os professores convidados serão Ruth Yeoman (Oxford) e Lucas Stanczyk (Harvard). Yeoman é uma teórica da democracia no local de trabalho (ver aqui) e Stanczyk tem proposto formas de justiça para a esfera produtiva da economia (ver aqui). Trata-se de uma oportunidade única para entrar em contato com as fronteiras de pesquisa em filosofia política do mundo. O prazo para inscrição de trabalhos termina termina dia 20 maio de 2017. Mais informações na chamada abaixo e no site do Political Theory Group.



Summer-School in Political Philosophy & Public Policy
“Philosophical Ideas for a Brave New World of Work”
13-15 July, University of Minho, Braga (Portugal)




Invited Professors:

Ruth Yeoman (Oxford University)

Lucas Stanczyk (Brown University/Harvard University)

Organizers: Jurgen De Wispelaere (University of Tampere), James Hickson (York University) and Roberto Merrill (University of Minho) on behalf of the Political Theory Group of CEHUM, University of Minho (Braga)
  
Course Description:

In recent years there has been a resurgence of interest in issues at the intersection of political philosophy and public policy. In particular, attention has increasingly turned to the question of what kind of institutions and policies would be needed in order to create a significantly more just society. Following past summer-schools on topics such as a justice between generations (2010), democratic virtues (2011), radical democracy (2012), basic income (2013), predistribution and property-owning democracy (2014), the ethics of banking (2015), the commons (2016), our next summer-school will be devoted to the future of work and a society in which the nature, meaning and distribution of work is expected to change considerably. The future of work is a topic of growing interest within academia, where it features prominently in recent debates in philosophy, history, law, political science, and economics. It is also features prominently in debates outside academia amongst social activists and policy-makers. In this summer school we will discuss insights emerging from philosophical reflection on the changing nature of work and think about normative principles guiding the future organization and allocation of work and its benefits and burdens.

Format:

The course features two invited professors, who each deliver three keynote lectures. In addition, we invite the participation of PhD students, postdoctoral scholars and established researchers to present their ongoing work on the philosophy of work or a related topic.

Invited Lectures:

Lucas Stanczyk will present material from a book manuscript titled From Each: A Theory of Productive Justice. In this manuscript, Lucas develops a framework for thinking about the rights and duties of liberal citizenship in an integrated way. He then deploys this framework to expose injustices in how modern societies reproduce themselves. These injustices arise when, thanks to the design of safety nets, ordinary citizens are made to work substantially more than what a liberal society at an advanced stage of economic development could reasonably expect. Conversely, productive injustices arise when the basic structure of the economy effectively lets the wealthy off the hook in myriad ways. To allow us to appreciate these injustices, the book develops tools for thinking about the kind of labor contribution that a liberal society can reasonably demand from each person, and it uses these tools to describe the way that actual societies routinely go overboard in their expectations for ordinary workers while being far too lenient on the wealthy. Lucas has been assistant professor of political science and affiliated faculty of philosophy at MIT. In 2016-17 he will be a research fellow at Brown University, and in 2017 he will join the philosophy department at Harvard.

Ruth Yeoman will address the following questions in relation to work: What is Work (including meaningful work)? Why is meaningful work important? How can we organize Work to promote meaningfulness? Is there a right to meaningful work? She will draw upon her book Meaningful Work and Workplace Democracy: a philosophy of work and a politics of meaningfulness, and other published material, such “Conceptualising Meaningful Work as a Fundamental Human Need” (Journal of Business Ethics). Ruth will examine the limits of liberal political theory when seeking justifications for the deliberate design of normatively desirable work, and will draw upon moral philosophy, care ethics and recognition theory to describe the value of meaningfulness, and how to structure work for meaningfulness. She will also include research on meaningful work from organization studies and psychology. In so doing, she will claim that the value of meaningfulness applies not only to the individual experience of work, but also to social and economic units such as cities and supply chains. Ruth is a Research Fellow at Kellogg College and the Said Business School, University of Oxford, where she manages a range of research projects, including Ownership, Leadership and Meaningful Work funded by the British Academy/Leverhulme. Forthcoming publications include: The Oxford Handbook of Meaningful Work (2018) and a Journal of Management Studies Special Issue on Meaningful Work (2018).

Registration/Participation:

If you would like to participate, please send us an e-mail at bragasummerschool@gmail.com  with your name and institutional details by 20 May 2017. If you would like to present your work to the summer school please send us a title and abstract of 300-500 words. The registration fee is 70 euros.

This event is organized by the Political Theory Group of CEHUM, University of Minho (Braga).


quarta-feira, 23 de novembro de 2016

La Democracia (Anti)Política

Por Renato Francisquini
Por contradictorio que sea, el fenómeno político que ha protagonizado recientemente la escena pública brasilera es el más completo rechazo de la política. No se trata, por cierto, de una característica reciente, ni exclusiva de Brasil. Su profundización, sin embargo, merece una mirada más atenta de nuestra parte, debido a que amenaza en gran medida el proceso de institucionalización del régimen democrático, en el país y en otros lugares.
La política democrática surge de la imposibilidad que se imponga en una sociedad plural, sin el recurso de la coerción física, una concepción abarcadora del bien, sea de carácter religioso, filosófico, metafísico, etc. Esto es, de reconocer el hecho que del pluralismo surge la necesidad de construir un aparato institucional capaz de absorber y canalizar los conflictos, que emergen inevitablemente en un mundo marcado por la diversidad de identidades y valores o en la dirección que debemos seguir como asociación cooperativa. Cuando nos alejamos de la política –el arte de construir consensos posibles en sociedades complejas– y pasamos a valorar la técnica, sea bajo el signo del gerenciamiento, sea en el registro de la interpretación legal, caminamos peligrosamente en el sentido de la intolerancia. La técnica administrativa y el notorio saber jurídico pueden ofrecernos los medios más eficientes para lograr determinados fines; la política, sin embargo, a través del diálogo y de la negociación, es la que nos permite construir los fines en un clima general de tolerancia y reconocimiento de la diferencia.
La elaboración de la narrativa anti-política fue tejida por una serie de eventos y fue patrocinada por numerosas instituciones políticas y sociales. Entre ellas, podemos destacar la asociación histórica, construida por los medios de comunicación tradicionales, entre la política partidaria y la corrupción, motivada en buena medida por el interés perenne de los periódicos y los canales comerciales de televisión de producir escándalos que contribuyan a la circulación de sus ejemplares y a la audiencia de sus programas.
En ese aspecto, vale la pena recordar la reinterpretación, promovida por los grandes medios de comunicación brasileros, sobre el sentido de las manifestaciones de junio de 2013. Si, en un primer momento, hubo un esfuerzo por parte de los movimientos sociales, como el Movimiento Passe Livre, para desnudar la indecente interacción entre dinero y política (a través de licitaciones fraudulentas y financiamiento de campañas), no demoró para que la prensa, que hasta entonces criticaba fuertemente los actos, se valiese nuevamente de la antigua cantilena de la idea abstracta de “corrupción”, estimulando un cambio en el perfil de los manifestantes y el repudio, a menudo violento, de los mismos movimientos y partidos políticos que ocuparon históricamente las calles en la lucha por la democracia y la igualdad. Tal vez este haya sido, de hecho, el detonante para la actual profundización de la anti-política en la escena pública brasilera.
Junto a los principales medios de comunicación, nótese también la prominencia cada vez mayor de las instituciones de control, como el Ministerio Público y el Poder Judicial. Estos, aprovechando el impulso proporcionado por el argumento mediático, encuentran las puertas abiertas para avanzar sobre el espacio de los acuerdos representativos, ya sea denegando la legislación aprobada por diputados y senadores, o sustituyendo a estos últimos en la proposición de leyes y políticas públicas. No es de extrañar, en este aspecto, que los nombres de los jueces y fiscales vengan ascendiendo como posibles candidatos a cargos electivos, evidenciando la percepción de estos como agentes capaces de representar los anhelos de la población por una política “limpia”.
Al menos dos tipos de eventos dan fe de la velocidad con que hemos descartado la política deliberativa, la negociación y el trueque, a favor de las personas e instituciones que se auto- determinan representantes imparciales de un supuesto interés público. El primero de ellos, las elecciones municipales, que en capitales de la importancia de São Paulo y Belo Horizonte, para referirnos solo al Sureste, eligieron candidatos (João Dória Jr. - PSDB/SP y Alexandre Kalil - PHS/MG, respectivamente) cuyo núcleo argumentativo de la campaña pasaba por el rechazo de la política (y de los políticos, vale decir) en nombre de una administración gerencial de la cosa pública. Por no mencionar a Río de Janeiro, que eligió a (el obispo) Marcelo Crivella, del PRB, partido controlado por la Iglesia Universal del Reino de Dios.
El segundo, la operación Lava-Jato, pone de relieve la auto-denominación por parte de jueces y fiscales, bajo la guarda del propio Supremo Tribunal Federal y de los aplausos de los medios de comunicación oligopólicos, como últimos responsables de la limpieza del sistema político brasilero. El argumento pasa a insinuar que las prácticas llevadas a cabo por los partidos políticos nacionales, en particular el PT, habrían institucionalizado la corrupción, de lo que resultaría la necesidad de implosionar el frágil edificio de nuestro sistema partidario, a fin de forzar la emergencia de nuevos actores políticos –escapa a mi comprensión lo que les lleva a creer (sí, se trata de una creencia) que brotarán del suelo políticos moralmente mejores y partidos verdaderamente representantes del bien común, sea lo que eso fuera.
Para tener una idea del nivel al que ha llegado este proceso, en septiembre de este año, el Tribunal Regional Federal de la 4ª Región, provocado a reconsiderar los métodos usados por el juez Sérgio Moro, responsable de la operación citada, sustentó que, por tratarse de una temática peculiar (léase, la corrupción institucionalizada de nuestro sistema político), admitía métodos excepcionales, haciendo suyas, con eso, la interceptación y la divulgación ilegal de conversaciones que envuelven al ex-presidente Lula, sus familiares, el estudio jurídico creado por Lula para defenderlo, y la presidenta electa, Dilma Rousseff.
Reuniendo los dos actores mencionados anteriormente, tenemos la cara más maligna de ese episodio para la democracia brasilera, a saber, el verdadero espectáculo mediático organizado por los principales medios de comunicación del país, sugiriendo una interpretación, al menos controversial, sobre los diálogos entre el ex-presidente y su sucesora, cuando esta lo había nombrado para el cargo de Jefe de Ministros de la Casa Civil. Horas después del show mediático, sugiriendo que el nombramiento de Lula había sido una maniobra para que las investigaciones sobre el ex presidente (que, es bueno recordar, hasta el momento no habían ofrecido subsidio para la condena de Lula) fuesen conducidas por el Supremo Tribunal Federal, y no por el juez Sérgio Moro, cientos de personas fueron frente al Palacio Presidencial y a la Avenida Paulista gritando palabras de odio y pidiendo la renuncia de la presidenta Dilma Rousseff.
Brasil y la región pasan por momentos delicados para el mantenimiento de nuestra frágil y precaria democracia política. Numerosas conquistas y logros de las últimas décadas están en riesgo de ser desmanteladas bajo el signo de la administración racional y apartidaria. No parece absurdo, en ese aspecto, la reciente reacción del presidente del Senado, Renan Calheiros, contra la autorización, dada por un juez de primera instancia, para que la Policía Federal cumpliese órdenes de búsqueda y captura en la Casa Civil, llevando bajo custodia policial legisladores que habían realizado barridas buscando escuchas en las oficinas de algunos senadores. Sin embargo, mientras que la controversia meramente emerge como un conflicto entre corporaciones, difícilmente iremos a fomentar un diálogo fructífero sobre el tema.
Urge, en este sentido, diagnosticar la emergencia de este fenómeno y analizarlo en sus complejidades e implicaciones. El clima de “salvación” atribuido a la gerencia apartidaria y a la supuesta limpieza general promovida por las instancias judiciales poco contribuye al debate democrático, teniendo en cuenta que atribuye a la “nación” un objetivo único y absoluto, descalificando como “interesado” o “ideológico” todo tipo de disonancia que se interponga como crítica a esa meta. Aparece como un objetivo inmediato evitar la desvalorización de la política institucional y del sistema partidario, cuya frágil estabilidad de la última década fue fundamental inclusive para el ascenso de instituciones de control que tienen un papel importante en la consolidación de la democracia.
Publicado originalmente em asuntosdelsur.org.

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Amy Allen: Descolonizando a Teoria Crítica

A filósofa Amy Allen (Penn State) acaba de publicar The End of Progress: Decolonizing the Normative Foundation of Critical Theory, livro no qual procura avaliar os fundamentos normativos da teoria crítica a patir da série de debates trazidos pelas teorias pós-coloniais nas últimas décadas.

Considerada uma das teóricas críticas mais importantes da atualidade, Allen contribuiu para o debate feminista (bem como para a teoria crítica como um todo) com uma proposta "negativista" de emancipação. Isto é, para Allen o ideal normativo de emancipação social deve ser entendido como a minimização de relações de dominação. Ao invés de fundamentar a teoria crítica em uma noção positiva de luta contra a dominação e de pressupostos utópicos, tais como a possibilidade nos livrar, definitivamente, das relações de poder que nos costrangem enquanto sujeitos sociais, de acorod com a proposta negativista deveríamos guiar nossa avaliação das relações de poder a partir das perspectivas da não-dominação possível em cada contexto de luta. Um objetivo conscientemente precário, mas pronto para ser reavalidado à luz de novas formas de exercício do poder. 

Em The End of Progress, Allen tem por objetivo analisar mais uma vez os pressupostos normativos da filosofia política contemporânea dessa vez tomando como perspectiva privilegiada as teorias pós-coloniais. Mais especificamente, Allen procura demostrar que autores centrais da teoria crítica, tais como Jürgen Habermas e Axel Honneth, pressupõem, explicita ou implicitamente, valores eurocêntricos em suas noções de progresso histórico. Em geral, teóricos e teóricas críticas tendem a rejeitar princípios morais universais descolados de contextos sociais determinados em determimento de fundamentos tidos por imanentes, isto é, inscritos nos próprios princípios de organização da sociedade moderna. Nesse sentido, os valores e expectativas presentes nas instituições modernas representariam uma fonte importante de "mais-valia moral" a partir da qual podemos avaliar os potenciais emacipatórios de novas formas sociais.

Para que isso funcione adequadamente, como argumenta Allen, Habermas e Honneth precisam assumir um referêncial histórico capaz de separar formas sociais "superiores" ou mais avançadas na escala do progresso, de formas de vida "inferiores" ou ultrapassadas. Tem-se, assim, uma convergência entre, de um lado, desenvolvimento histórico e, de outro, de progresso moral.

Para Allen, críticas pós-coloniais trazem dois desafios centrais à noção de progresso presente na agenda de pesquisa da teoria crítica. O primeiro seria de ordem conceitual: a mera possibilidade lógica de progresso social pressupõem um ponto de vista a-histórico a partir do qual alguns sujeitos e algumas culturas privilegiadas são capazes de passar em revista as diferentes fases históricas da experiência humana. O problema é que tal ponto de vista privilegiado corre o risco de ser tautologico: apenas culturas mais avançadas seriam capazes de avaliar objetivamente quais culturas são superiores e quais não o são - sendo a capacidade cultural para reflexividade histórica a principal marca dessa superioridade. O segundo desafio é de natureza política. A noção de progresso, quando aplicada à história moderna, deixa de lado as consequências imperialistas da civilização européia. Se por um lado o Iluminismo nos legou instituições livres e valores univerais, por outro, essas conquistas só foram possíveis graças à exploração colonial da América Latina e da África. Pior: os próprios valores modernos e a ideologia do progresso culturtal foram utilizados como instrumentos de dominação de cultuais "atrasadas" da perspectiva européia. Colodado de forma paradoxal, o progresso institucional europeu teve como condição de possibilidade a barbárie colonialista em terras estrangeiras. 

Qual o impacto desses desafios para a teoria crítica? Evidentemente Allen não está acusando Habermas e Honneth de serem imperialistas ou de esquerecem a história européia. O ponto é que os fundamentos normativos de suas teorias (ancorados em uma visão idealizada de progresso histórico) não os impede de produzir diagnósticos compatíveis em princípio com práticas imperalistas. 

Tomemos o exemplo a luta pelo casamento homoafetivo. Tendemos a avaliar a luta por formas não-heteronormativas de constituição familiar a partir de uma visão orientada pelo progresso das nossas instituições. Assim, tenderíamos a interpretar "avanços" e "retrocessos" a partir de uma escala histórica. A conclusão dessa orientação "progressista", como Allen procura demostrar, é a tabulação de diferentes experiencias históricas e cultuais a partir dos padrões institucionais europeu transformados em métrica universal. Culturais que aceitam essa forma de casamento seriam "modernas" em oposição 'as "atrasadas" que as condenam. O que começou como uma luta pelo direito das minorias opremidas termina por alimentar um discurso colonialista contra outras formas de expressão cultural.

Quando bem entendida a crítica pós-colonial nos ajudaria a evitar a "falácia arqueológica" presente nesse tipo de raciocínio, isto é, que não devemos explicar a diferença cultural, ou a luta política, presente do outro, a partir do passado de nossas conquistas históricas. A opressão de hoje na África não é a opressão de ontem da Europa. Ambas estão no mesmo presente histórico (até porque a primeira é, em alguma medida segundo autores pós-coloniais, o resultado da segunda). O exemplo do aborto no Brasil ilustra bem esse ponto. Tendemos a pensar que sua proibição no Brasil é sintoma de nossa cultura "arcaica". De fato, ao proibírmos por meio da coerção pública que as mulheres tenham autonomia sobre seus corpos praticamos uma forma grave de injustiça. Contudo, ao explicarmos essa injustiça por meio da noção de progresso histórico - "ainda estamos atrasados nesse ponto" - não apenas pressupomos a superioridade intrínseca de culturas metropolitanas (nem sempre tão emancipatórias assim) como também deixamos de compreender os mecanismos de dominação vigentes que não são necessariamente a "falta" de alguma coisa. Os defensores da criminalizam do aborto estão perfeitamente situados no jogo de força do presente.

Allen oferece uma forma alternativa de lidar com o problema do progresso moral na qual não nos tornamos reféns do pensamento colonialista. A partir das análises genealógicas de Michel Foucualt e do ceticismo de Adorno em relação à racionalidade moderna, ela propõe uma divisão radical entre progresso histórico, de um lado, e progresso moral, de outro. Tratam-se de duas formas distintas de pensarmos o progresso. Uma, orientada para o passado, e com o objetivo de auto-vindicar as experiências históricas às quais acreditamos que fazemos parte. A outra, bem mais cética e negativa - mas por isso mesmo mais útil à crítica social - tem por objeto o presente. Ou melhor, problematizar os processos históricos contingentes que constituiram nossas práticas e instituições sociais, desnaturalizando pressupostos normativos convencionais. 

O livro de Allen é valioso justamente por tentar suprir certo "lapso normativo" normalmente atribuído a autores anti-progresso como Adorno e Foucualt. Segundo a autora, é justamente na atitude de recusa moral (e não apenas de ceticismo epistemológico) própria desses autores que devemos encontrar a melhor forma de lidar com a relação entre história e princípios normativos. Relações de poder (ou a potencialidade para a bárbarie, como diria Adorno) permeiam mesmo as conquistas civilizatórias mais caras do mundo contemporâneo. Explicitá-las é permitir uma forma importante de auto-esclarecimento. 

Se podemos falar em progresso moral, então esse progresso só pode ser o abandono de pressupostos teleológicos: o otimismo injustificado de de que a civlização não engendra sua própria bárbarie. Essa é, justamente, a mensagem do célebre aforismo de Adorno sobre o progresso. Na bela tradução de Gabriel Cohen: "o progresso acontece ali, onde ele termina".


Sugestões de leituras:

A. Allen: "The End of Progress" (New Books in Philosophy)

A. Allen: "Emancipação sem Utopia" (Novos Estudos)




The End of Progress: Decolonizing the Normative Foundations of Critical Theory (Columbia Press)


While post- and decolonial theorists have thoroughly debunked the idea of historical progress as a Eurocentric, imperialist, and neocolonialist fallacy, many of the most prominent contemporary thinkers associated with the Frankfurt School—Jürgen Habermas, Axel Honneth, and Rainer Forst—have defended ideas of progress, development, and modernity and have even made such ideas central to their normative claims. Can the Frankfurt School's goal of radical social change survive this critique? And what would a decolonized critical theory look like?
Amy Allen fractures critical theory from within by dispensing with its progressive reading of history while retaining its notion of progress as a political imperative, so eloquently defended by Adorno. Critical theory, according to Allen, is the best resource we have for achieving emancipatory social goals. In reimagining a decolonized critical theory after the end of progress, she rescues it from oblivion and gives it a future.
Table of Contents
Preface and Acknowledgments

1. Critical Theory and the Idea of Progress
2. From Social Evolution to Multiple Modernities: History and Normativity in Habermas
3. The Ineliminability of Progress? Honneth's Hegelian Contextualism
4. From Hegelian Reconstructivism to Kantian Constructivism: Forst's Theory of Justification
5. From the Dialectic of Enlightenment to the History of Madness: Foucault as Adorno's Other Other Son
6. Conclusion: "Truth," Reason, and History