domingo, 26 de julho de 2015

A batalha da classe média

Nove em cada dez norte-americanos descrevem a si mesmos como membros da classe média. A crença é ilusória - apenas 60% dos norte-americanos conseguiriam obter mais de $ 2 mil em uma emergência - mas de fácil explicação: além de parte constitutiva do american dream, ao longo do século XX os EUA tiveram uma das classes médias mais ricas do mundo. Desde a década de 70, entretanto, a renda média desse setor permanece estagnada em termos comparativos. Uma família de classe média em 1983 ganhava em média $ 93 mil anuais, contra os mesmos $ 96 mil em 2013. Em comparação, ou por causalidade, dependendo da sua orientação teórica, a renda média anual de uma família rica em 1983 era de $ 318 mil, passando para $ 639 mil em 2013. A imagem abaixo representa graficamente a mesa realidade, partir de outros critérios e metodologia: enquanto a renda da classe média permanece congelada, a renda dos mais ricos mais que duplicou nos EUA a partir do final do século passado.



(Evolução do rendimento médio anual da classe média vs. do 1% mais ricos da sociedade norte-americana ao longo do último século/ CNN Money: How the middle class became the underclass)

Com o início da corrida eleitoral nos EUA, o debate acadêmico e político a respeito do congelamento da classe média anda feroz. Recentemente o canal de notícias VICE dedicou uma de suas mesas redondas ao estilo "hard talk" a essa polêmica: What Happened to Middle Class America?. (o programa pode ser assistido abaixo). O debate foi protagonizado por um pesquisador do think tank progressista Center for American Progress, uma economista do think tank conservador Reason Foundation e pelo jornalista Charlie LeDuffde de Detroit - cidade escolhida para sediar o programa justamente por ter literalmente falido em 2013 e levado a classe média da região igualmente à bancarrota (o título do livro de LeDuffe é sintomático: Detroit: An American Autopsy).  



O programa merece ser assistido. Não apenas porque o tema é interessante por ele mesmo, mas sobretudo porque ele contém algo impensável em nossa esfera pública: divergência pública sobre um tema controverso. Nós, cientistas políticos, filósofos, economistas ou pesquisadores em geral, tendemos facilmente a reconhecer que nossas emissoras e jornais dificilmente estariam dispostos a patrocinar um programa, digamos, a respeito da histórica inclusão social pela qual passou o país nas últimas décadas. De fato, é muito difícil encontrar honestidade intelectual nos editores de programas sobre econômica quando todos os convidados selecionados fazem parte de consultorias privadas ou quando a economista mais gabaritada em cena é a própria entrevistadora (para ficarmos no exemplo: alguém já presenciou alguma discordância séria entre os convidados no programa da Miriam Leitão?).

Por outro lado devemos nos perguntar: quantos de nós estaríamos aptos a discutir nossas concepções e argumentos de modo acessível, honesto e com autoridade sobre um tema de ampla relevância política publicamente? Talvez seja a hora de começarmos a lutar as nossas batalhas...