quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O caminho da inclusão

No último domingo (25/10), o sociólogo Jessé de Souza (UFF) publicou o texto O Caminho da Inclusão no caderno Alías do Estado no qual justifica seu voto na candidata (e agora eleita) Dilma Roussef para a presidência do Brasil. Jessé contextualiza os dois projetos políticos em disputa no segundo turno das eleições e ressalta o efeito que as duas décadas de inclusão social produziram em alguns dos setores mais conservadores da sociedade brasileira: uma mistura estranha de mercantilização e segregação social, na qual apenas a metade de cima teria direito aos benefícios extraídos da riqueza social. "A segunda 'abolição da escravatura' - hoje não mais de uma raça, mas de uma grande classe de excluídos - proposta por Joaquim Nabuco há mais de cem anos", afirma Jessé, "é hoje mais atual que nunca". 


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Demonizar o Estado é o pretexto perfeito para quem ganha com a mercantilização total da sociedade, ou seja, o mesmo 1% que já controla toda a riqueza. Mas a tolice das classes médias e frações ascendentes que compram esse discurso como se fosse seu não explica a raiva e o ódio ao uso do Estado – ainda que de modo parcial, incipiente e inconcluso — para os interesses da maioria esquecida da população brasileira.

Isso acontece hoje em dia num grau muito mais alto, posto que essa classe, agora, teme por seu lugar de privilégio devido ao encurtamento do espaço social com as classes populares que foi a principal obra dos últimos governos.

O Brasil de hoje ainda marginaliza 60% de sua população das benesses da sociedade moderna, mas o Estado ousou aumentar o número de incluídos no mundo do consumo de 20% para 40%. É a raiva ancestral de uma sociedade escravocrata, acostumada a um exército de servidores cordatos e humilhados, que explica a tolice dos que compram a ideia absurda de mais mercado no país do mercado já mais injusto e concentrado do mundo.
A raiva, no fundo, é contra o fato de muitos desses esquecidos estarem agora competindo pelo espaço antes reservado à classe média, como vimos nos “rolezinhos”, nas reclamações dos aeroportos cheios e na perda dos valores de distinção com relação à “gentinha” não mais tão cordata e humilhada.

Sem o ressentimento e o desprezo ao populacho — no fundo, o medo da competição social revertido em agressão –, não há como entender que tanta gente seja manipulada por um discurso hoje tão descolado da realidade como o da virtude do mercado e demonização do Estado.

Se existe algum bem na polarização das últimas eleições é que ela mostra os conflitos reais que racham a sociedade contemporânea brasileira: a contradição entre as classes sócias no projeto de construção de uma sociedade para 20% e o projeto inconcluso e incipiente de um Brasil para a maioria da população.

A segunda “abolição da escravatura” — hoje não mais de uma raça, mas de uma grande classe de excluídos — proposta por Joaquim Nabuco há mais de cem anos é hoje mais atual que nunca.